“Ser
mãe é padecer no paraíso” (Coelho Neto)
* Por
Mara Narciso
Há
mulheres que, antes do casamento (ou não), optam pela laqueadura das
trompas, para nunca engravidar. A sociedade é dura com elas,
dizendo-as egoístas, que a maternidade é a realização da mulher,
e que vão se arrepender. Há quase um apedrejamento público. A
exigência social de ter filhos faz com que mulheres inférteis
sintam-se incompletas, secas por dentro, por não terem gerado um
rebento. Outras mulheres buscam em seu íntimo um motivo para ter uma
descendência e não o encontram. Sentem-se preenchidas por outras
atividades que não sejam criar filho. Suas vidas são preenchidas
por marido e trabalho, ou sem marido e trabalho, ou ainda com a fé e
o celibato da vida religiosa. Existem freiras que passam suas vidas
em contemplação, adorando a Deus, dentro da clausura, e o trabalho
é para a manutenção pessoal da comunidade. A plenitude vem da fé.
Outras religiosas ganham o mundo indo a lugares pobres e em conflito,
convivendo com a fome e a violência para levar amor aos miseráveis
globais. Completam-se, abrindo mão das suas vidas pessoais, do nome,
da família e até do seu país. Num universo oposto, as prostitutas
sobrevivem do seu trabalho, enquanto podem. Algumas são mães,
outras preferem não sê-lo.
Há
mulheres apaixonadas que se casam, trabalham, são felizes no amor e
na profissão, se cobrem de dúvidas e depois têm a certeza de que
não querem procriar. Além das convictas, algumas delas vivenciam a
gangorra do querer e do não querer, num sobe e desce de aflições,
por isso preferem não tomar medidas definitivas. Evitam filhos com
anticoncepcionais hormonais ou Dispositivos Intra Uterinos, ou
métodos de barreira, mas deixam uma janela aberta, que algumas vezes
pensam estar fechada. As cobranças as levam a longos conflitos, até
ultrapassar os 40 anos. O medo do desconhecido ameaça suas vidas,
tornando-as insatisfeitas consigo próprias. Então, deixam-se
engravidar, por decisão pensada, no susto ou por acidente. Solteiras
maduras também podem passar por esse processo. Num caso e noutro,
podem recorrer ao aborto. Há estimadas 900 mil interrupções da
gravidez por ano e a maior parte escapa das estatísticas. A
criminalização do aborto, até aqui, não tem interferido nos
números, que costumam se mover para cima, acompanhando o crescimento
da população. Mesmo que os deputados obriguem as mulheres a parir
filhos dos seus estupradores, os abortos, indiferentes às leis,
devem continuar.
Quando
a grávida rejeita o “estado interessante”, mesmo decidindo
continuar, a pressão a sua volta a esmaga. Sente-se mal pelo enjoo,
dúvidas e cobranças. Parece banal, já que neste momento há tantas
grávidas, mas é dramático para quem vive isso. Muitas mulheres
gastaram suas juventudes com múltiplas gravidezes, gerando dez,
doze, dezesseis filhos. Ter uma pessoa dentro da barriga é
aterrador. Eu sou eu, e tem mais alguém dentro de mim. Há alguém
me parasitando. Com essas ideias é possível perder o juízo, mas
persiste a ideia de que gravidez não é doença. Algumas buscam
recurso na psiquiatria, nos remédios e na psicoterapia, para vencer
os nove meses, quase um ano. No ventre da outra, passa rápido, mas
na própria barriga é uma eternidade. E nem se pensa em vaidade,
flacidez, estrias, nem na dor do parto ou na recuperação da
cesariana. Imaginar o médico vir com um bisturi e cortar a barriga
de fora a fora dá agonia, mas a questão maior é enfrentar o
estranho que vai chegar. Quem está nessa situação piora seu medo
quando ouve que vai amar aquele serzinho, assim que ver a cara dele.
Mesmo
conhecendo grávidas que tiveram depressão durante os nove meses e
que, depois do nascimento, sem seguir roteiro pré-estabelecido
falaram: “estou bem! Quando nasce um filho, nasce uma mãe”, é
covardia apelar para o senso comum. Para tranquilizar uma gestante
apavorada, pode-se dizer que, com o tempo a paz vai chegar. Não é
obrigatório aceitar o ser em formação. Não se sinta culpada por
não amar esse feto. O enjoo e a deformação do corpo, já são
ruins o bastante. Melhor não se torturar, por estar infeliz. Dê a
si mesma a chance de sentir o que tiver de sentir, sem repetir
clichês nem obrigações. E se, quando nascer, não ficar
apaixonada, como todos dizem que ficará, não se atormente. Ninguém
sente coisa alguma por decreto. O mais natural é amar o filho,
algumas loucamente, desde o resultado do exame, ou então, quando
olham para o neném ou o pegam para levá-lo ao seio, porém, esse
reflexo ancestral pode falhar. Poucas se atrevem a mencionar isso. A
rejeição existe, não é rara, e explica as mães indiferentes.
Ninguém suporta não ser amado pela própria mãe, mas há mulheres
que não nasceram para a maternidade.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
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