O obituário
* Por
Núbia Araújo Nonato do Amaral
Sinvaldo trabalhava no jornal
de uma cidadezinha pequena, tão pequena que duvidasse que constasse
no mapa. Tinha uma coluna no jornal Trombetas de Gedeão, seu
Chapinha, o chefe, só se deu conta de que as trombetas eram de
Jericó, muito tempo depois, afinal o fato já estava consumado e
poucas pessoas repararam no equívoco.
Sinvaldo era responsável pela
coluna do obituário, mas já estava um pouco cansado daquilo, queria
escrever crônicas que contassem um pouco da história daqueles que
se foram, emprestar-lhes um pouco de dignidade Pediu o aval do chefe
que, mesmo desconfiado, cedeu aos desejos de seu funcionário.
O futuro cronista, exultante
em sua nova função, correu para o arquivo "morto" e
definiu como critério de escolha os nomes mais interessantes. Após
algum tempo, encontrou um nome pomposo, que provavelmente deveria ser
de um dos ilustres filhos de Serrinha Apagada. O finado atendia pelo
nome de Etrivaldo.
Procurou os dados do dito cujo
nos arquivos, pesquisou seu histórico familiar e arregaçou as
mangas: "O finado em questão foi uma boa pessoa em vida.
Infelizmente contraiu dívidas e pequenas doenças, nada sério.
Deixou esposa e três filhos adolescentes”. Aliás, a viúva está
com as mesmas manchinhas do falecido.
“Por herança, deixa uma
vaca, que estranhamente segue os homens que dela se aproximam, creio
que isso ocorre devido ao carinho que seu dono depositava nela; uma
casa em estilo colonial toda feita em madeira de lei que o vendedor
jurou de pés juntos que não dava cupim de jeito nenhum, uma gaveta
com uma coleção de cuecas de oncinha e, finalmente, três
porquinhas de cerâmica abarrotada
s de moedas".
Sinvaldo finalizou o texto e o
entregou ao seu chefe que o avisou:
- De manhã cedinho o jornal
tá na rua e com obituário novo!
Sinvaldo nem conseguiu falar
de tanta emoção. No dia seguinte a família do finado embarcava num
ônibus para uma cidade bem longe dali. Na casa da viúva em cima da
mesa , jazia o jornal aberto na página do obituário e no chão os
cacos das três porquinhas estraçalhadas.
*
Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário
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