No
princípio era o verbo...
O meu mundo é o das palavras.
Pesquiso-as, sorvo-as, bebo-as, uso-as, faço delas minha voz, minha vez, minha
forma de ser e de dizer presente diante dos meus pares. São meu instrumental,
meu ar, minha luz intelectual, o alimento do meu espírito, a matéria-prima dos
meus sonhos, dos meus versos, das minhas elucubrações. São a minha forma de
ganhar o pão sagrado e indispensável de cada dia. São meu credo, meu objetivo,
minha alegria e minha preocupação. Desde que surgiu o primeiro ser inteligente
no mundo, vivemos por palavras, lutamos por palavras, morremos por palavras.
Os grandes líderes da espécie humana,
os guardiões do sagrado ou do profano; os mestres sublimes como Cristo, Buda,
Maomé, Lincoln, Gandhi; ou os verdugos do gênero humano, como Alexandre, Júlio
César, Átila, Napoleão ou Hitler; os poetas e os profetas; os filósofos e os
feiticeiros; os disseminadores das ciências e os arautos do obscurantismo
fizeram delas o seu instrumental de luz ou de trevas, de liberdade ou de
opressão, de inteligência ou de ignorância. de grandeza ou de miséria.
Nunca vou me cansar de lê-las, de
estudá-las, de aprendê-las, de dissecá-las, de entendê-las, de utilizá-las para
dar corpo aos meus sonhos. E como são caprichosas! Como são mutantes, volúveis,
instáveis, sensíveis! Pablo Neruda lembrou, em um magistral poema: "Uma
idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou
como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que lhe obedeceu. Têm
sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que se lhes foi
agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser
raízes. São antiquíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor
apenas desabrochada..."
Diz-se que o homem foi feito "à
imagem e semelhança de Deus". Esta parecença, porém, estes sutis traços
semelhantes, essa identidade que nos torna "filhos" do Criador do
Universo, não estão no físico, no tamanho, no peso, na altura, na beleza, na glória
ou na resistência. O homem é pequeno, é frágil, é feio, é miserável e é fraco.
A "semelhança" reside na possibilidade mágica, fantástica, miraculosa
de se comunicar através de signos coerentes e inteligíveis para todos. Nessa
magia, nesse encantamento, nesse milagre que é a palavra. Porquanto, "no
princípio era o verbo...", que sempre pré-existiu e continuará existindo
quando (ou se) já não mais houver matéria, energia, cosmo, espaço, vazio...
O professor norte-americano Stephen
Greenblatt lembra que "nossas palavras estão cheias de vestígios que
sequer compreendemos completamente quando falamos, de vozes que existiram no
passado e silenciaram, estão mortas. Nossas vidas estão cheias das presenças
fantasmagóricas de nossos ancestrais, de nossos pais, de nossos avós, das
figuras que nos tocam e em relação às quais tentamos nos situar". Sinto
que a única chance que tenho para que, com a minha morte (fatalidade impossível
de evitar) não desapareçam todos os vestígios de que existi, amei, odiei, trabalhei,
sofri, fui feliz, acertei, errei e aspirei à imortalidade, é a palavra.
Mas essa essência da sabedoria
universal requer talento no trato. Exige que quem dela se utilize – quer no
relacionamento corriqueiro do cotidiano, quer na nobreza do raciocínio – o faça com competência, com atenção, com
carinho. Mark Twain alertou que "palavras são como granadas. Quando usadas
inadequadamente, explodem". Seu uso desastrado propicia desentendimentos,
conflitos, separações, ódios, incompreensões, guerras e mortes. Frustram,
humilham, aborrecem, desanimam, matam.
O poeta Fagundes Varela, considera-a a
"mais forte das armas, a mais firme, a mais certeira", que provoca os
maiores estragos na alma humana. Daí as noites insones e a faina incansável dos
dias para entendê-las, dominá-las, absorvê-las, aprender a manejá-las com
cuidado, com amor, com competência, para construir, para consolar, para
engrandecer, para solidarizar, para defender os indefesos, para condenar as
injustiças, para reivindicar direitos. A tarefa é superior às minhas forças e
os resultados são incertos. Faço parte dessa confraria dos sonhadores, desses
criadores de castelos imaginários e de mundos inexistentes, conhecidos como
"escritores". Por isso, como Guilhaume Apollinaire, rogo às gerações
futuras, ao que daqui a dez, quinze, vinte, cem anos ou mais eventualmente
lerem estas linhas: "Piedade para nós, que exploramos as fronteiras do
irreal!!!"
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Deu show.
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