domingo, 16 de outubro de 2016

As três forasteiras


* Por Ana Suzuki


Numa data qualquer, tiraram o K, o W e o Y do nosso alfabeto. As três letras foram tratadas como forasteiras. Só que continuaram sendo usadas nas listas telefônicas e nas abreviaturas de medidas - Km para quilômetro, Kg para quilograma, W para watt. E também nos nomes estrangeiros.

Para os puristas de cartório, Suzuki seria Suzuqui. O japonês Kawamura teria nome de índio - Cauamura. Felizmente a maioria percebeu que isto seria uma descaracterização. Houve uma certa fidelidade, consciente ou não,  ao primeiro sistema criado para adaptar os sons da língua nipônica aos da língua inglesa - o sistema Hepburn, criado pelo reverendo James Curtis Hepburn, por volta de 1867. 

Então vieram os filmes e novelas. Crianças que antes se chamariam José, Joaquim, Maria, passaram a ter nomes mais "chiques" e diferenciadores. Pra que chamar o filho de Guilherme, podendo chamá-lo de William? Pra que Rosa Maria se podia ser Rosemary? E finalmente veio o computador, impondo não só as três letras, como um novo vocabulário.

Bem-vindas, enfim, sejam as três forasteiras, já que nunca saíram daqui. Mas tenho pena das crianças que já decoraram o alfabeto sem elas, porque estudos neurológicos demonstram que certas seqüências gravamos em série, sendo depois um tanto difícil inserir alterações na série gravada.

Isto explica por que razão nós, os mais velhos, jamais conseguimos abolir totalmente aquelas três letras do alfabeto e por que, mesmo que mentalmente, as mantivemos nos lugares que lhes pertenciam, tal como na lista telefônica.


* Escritora e acadêmica da Academia Campinense de Letras.



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