domingo, 16 de outubro de 2016

O sábio e o erudito

* Por Pedro J. Bondaczuk


A busca pela sabedoria, e não pelo acúmulo de bens materiais (objetivo da maioria, salvo raras exceções, nos quase treze milênios de civilização) deveria ser o ideal do ser humano. Mas não é. Compete a cada geração dar a sua contribuição para o avanço do homem rumo à racionalidade total, cumprindo seu papel fundamental na vida, que é o de ser parte (por ínfima que seja) da evolução ininterrupta da espécie. Ou seja, de elo inquebrantável na cadeia evolutiva, que garanta à descendência, em um futuro medido em centenas de milênios, não só a mera existência física, mas esta com "qualidade".

Para isso acontecer, cada indivíduo (não importa a nacionalidade, sexo, raça ou cor) deve ser educado (não meramente instruído) para raciocinar, entender, colaborar e criar. A educação tem sido encarada de maneira equivocada, em um sentido meramente utilitarista, como "adestramento" e não desenvolvimento de potencialidades. Faz de cada pessoa mera peça de uma  poderosa engrenagem (não importa se rústica ou sofisticada, se plebéia ou se elitista) comprometida com ideologias ou interesses hegemônicos grupais.

Mas o homem não é máquina. É vivo. Raciocina. Tem capacidade de distinguir o bem do mal (quando preparado para tal). Por isso deveria ter, de fato, o direito ao tão propalado "livre arbítrio", (negado à grande maioria) para decidir seu rumo e destino. Constitui-se em um mundo, em um universo, original, único, rico e variado.

Vidas são desperdiçadas, como se nada valessem, porque sua racionalidade não é exercida, sequer minimamente. Os "excluídos" (a maioria) não foram preparados para esse exercício. São tratados não como homens, mas como uma "subespécie" animal, num estágio intermediária entre o hominídeo e o "homo sapiens",  uma aberração da natureza. E é como se sentem e agem. E como acabam se tornando.

É comum se confundir o sábio com o apenas erudito ou com o que se diz "inteligente".  São conceitos diferentes, não sinônimos, embora a diferença seja sutil para que os despreparados, dados a generalizações (para as quais foram treinados no lar, na escola e na sociedade), a percebam. Sabedoria  só se obtém com experiência. É o clímax da racionalidade. É criativa, dinâmica e, sobretudo, participativa.

Inteligência, por sua vez, é a mera capacidade de uma pessoa entender conceitos abstratos e as coisas que a rodeiam (do latim "inteligere"). Se não for aplicada, pouco ou de nada vale para o indivíduo e para a coletividade. Já o erudito, é o que acumula conhecimentos. Quase sempre, porém, esse acúmulo é apenas teórico. Se não souber o que fazer com o que acumulou, pouca valia lhe terá esse acervo.

Raramente os estudantes que são os primeiros da classe, que obtêm a pontuação máxima em um vestibular e sustentam essa primazia ao longo da vida acadêmica, se tornam os melhores profissionais nas carreiras que escolheram, por exemplo. Podem ser  "inteligentes" (nem sempre o são). São eruditos. Mas não são sábios.

Por outro lado, indivíduos que muitas vezes não sabem sequer "desenhar" seus nomes, revelam uma profunda percepção da vida, da natureza, da família e da sociedade. Encontram seu espaço naturalmente, sem conflitos, e conseguem ser felizes. São sábios! Por isso, são os mais necessários (por serem raros) à humanidade.

Albert Einstein constatou que "o homem erudito é um descobridor de fatos que já existem – mas o homem sábio é um criador de valores que não existem e que ele faz existir". Não há, e nem pode haver, aquele que tudo conheça. O universo é vasto demais (e o ser humano ínfimo e efêmero) para que a chave do mistério da natureza seja encontrada e abra as portas da razão absoluta.

O raciocínio metódico e disciplinado permite ao homem que vislumbre "reflexos" distorcidos (como os da caverna de Platão) da essência do conhecimento. Para Einstein, "a mente avança até certo ponto onde pode chegar, mas depois passa para uma dimensão superior, sem saber como lá chegou. Todas as grandes descobertas realizaram este salto".

O novo milênio começa com um progresso tecnológico sem precedentes. Os meios de transporte como o avião, o navio a vapor, o trem e o automóvel tornaram possível o deslocamento de pessoas, de uma parte a outra do mundo, em horas, quando até recentemente se fazia em dias, semanas e meses, quando não em anos. A medicina possibilita a crescente ampliação do tempo de vida do homem, curando doenças há pouco consideradas incuráveis e prometendo prevenir o mal na própria raiz, "consertando" genes defeituosos antes mesmo do nascimento.

A robótica, virtualmente, acabou com as tarefas penosas, cansativas ou repetitivas dos operários, o que possibilitou produção em massa de bens que vieram facilitar a vida cotidiana de milhões de indivíduos. Paradoxalmente, no entanto, suprimiu seus empregos, deixando multidões sem recursos para adquirir o que é produzido. Dois terços da humanidade ainda não podem satisfazer sequer  necessidades básicas, como alimento, moradia,  medicamento e instrução fundamental (alfabetização).

As comunicações instantâneas (através da televisão via satélite, Internet, telefone celular etc.) pulverizaram distâncias e permitem, hoje, que todos se informem sobre o que ocorre em qualquer parte do Planeta, simultaneamente aos acontecimentos. No entanto, parcela considerável dos habitantes da Terra sequer tem acesso às primeiras letras, à margem da vida.

A civilização contemporânea especializou-se em dividir os homens em castas, que são virtualmente fechadas. De um lado estão privilegiados, que têm de tudo, e de sobra, e que desperdiçam os escassos recursos naturais, patrimônios da humanidade, como se estes fossem só seus e inesgotáveis. De outro, está a grande maioria – em torno de quatro bilhões de indivíduos – sem condições de reivindicar sequer direitos fundamentais formalizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas: vida, saúde, segurança e educação. Abundam, hoje em dia, portanto, eruditos. Quanto aos sábios...Bem, a carência é catastrófica e crescente...

(Do livro “Cronos e Narciso”, Editora Baraúna).


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
   


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