sábado, 15 de outubro de 2016

Guerra e paz


* Por Clóvis Campêlo


Sou de paz em tempos de guerra e de guerra em tempos de paz. Evoluções me interessam. Mentiras sinceras, não. Talvez isso faça com que me sinta vivo no mar de insensatez que é a vida moderna.

Sempre que vejo imagens antigas do passado, fico pensando como a vida parecia ser mais fácil antigamente. Talvez esteja ficando velho demais para acompanhar a rapidez das mudanças atuais. Nem mesmo consigo entender o que fala meu neto mais velho, Pedro, quando se refere aos seus jogos e personagens virtuais. Percebo que hoje a maior parte das minhas referências estão no passado. Quando muito, consigo manejar o computador e escrever minhas mal traçadas linhas. Já me contento com isso.

Confesso que sempre almejei um mundo melhor, com mais justiça social e melhor distribuição de renda. Para mim, seria apenas uma questão de tempo para que isso acontecesse. Imaginava que um dia as pessoas perceberiam o equívoco dos seus credos e optariam por um mundo mais equânime.

Nos tempos do Jubrapi, no Pina, nos seminários promovidos pelos padres oblatos, o sociólogo Carlos Rocha afirmava que o socialismo seria uma consequência natural do capitalismo. Era esperar para ver. No mundo justo de Deus não deveria haver espaço para a fome, a exploração do homem pelo próprio homem, a injustiça. Eu tinha a impressão, naquela época, de que o próprio Deus estava empenhado no restabelecimento desse equilíbrio. Afinal, éramos todos irmãos (ou deveríamos sê-los). A divisão geopolítica do mundo sempre me pareceu um equívoco a ser remediado. Era só escolher o caminho e segui-lo. Haveria uma força tamanha a proteger os homens de boa vontade que se empenhassem nisso. Eu, na ingenuidade da minha adolescência, acreditava piamente nisso. Na maior parte da minha vida, direcionei os meus esforços e esperanças nesse sentido. Não me arrependo, mas poderia ter sido um pouco menos crédulo, mais pragmático e ter percebido que a vida, no futuro, especialmente a minha, quando as forças vitais começassem a fraquejar, necessitaria de uma melhor estrutura para se apoiar e sobreviver.

Hoje, percebo estarrecido que antigos amigos que dividiam conosco essas esperanças e crenças, mudaram de atitude e, não sei se por benefícios pessoais ou por degeneração de caráter, defendem ideias e políticas deletérias e facciosas. Como, para mim, toda relação humana deve se basear em fatos concretos comuns, não vejo como manter esses relacionamentos apenas baseado em pontos comuns do passado ou em considerações mortas e insustentáveis. Não consigo achar que a verdade possa ter dois lados. E dentro da visão maniqueísta de que quem não está comigo está contra mim, passo a vê-los, no mínimo, como antagonistas.

Se a minha pretensão ainda é encaminhar o mundo para o lado da justiça e da irmandade (mesmo que isso possa parecer cada vez mais impossível) não tenho como conviver ou perder tempo com equívocos e maus discernimentos.

Penso que hoje vivemos a educação para o egoísmo e a individualidade. Vivemos a bestialização das pessoas e a insensibilidade diante dos problemas do mundo e do outro. Deixar-se envolver e levar por isso, para mim, significa desistir de toda uma vida de lutas e de atitudes em busca do bem comum.

Recife, outubro 2016

* Poeta, jornalista e radialista.


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