A lei linguacu e o Melo merendeira
* Por
José Ribamar Bessa Freire
A Lei da Tilápia,
também conhecida como Lei Linguacu, serviu de modelo para o estabelecimento de
alianças no campo político com sérias repercussões na eleição para prefeito de
Manaus. Essa Lei Ordinária - e bota ordinária nisso - foi sancionada pelo
governador José Melo Merenda (PROS vixe vixe) no dia 30 de maio de 2016,
permitindo a criação de peixes não-nativos em rios do Amazonas, a criação de
espécies híbridas e o barramento de igarapés. Por isso, foi duramente criticada
pelos ambientalistas, que exigiram sua revogação, o que até hoje não aconteceu,
embora tenha sido noticiado.
Para quem está tomando
o bonde andando, faço um resumo da ópera. No início de maio, a Assembleia
Legislativa do Estado do Amazonas
(ALEAM) aprovou projeto que disciplina a aquicultura. Quem relatou foi o
deputado estadual Orlando Cidade (PTN vixe), ligado a empresas de piscicultura
e fundador da Cooperpeixe, que sem ouvir ambientalistas suprimiu muitos
artigos, piorando o projeto que já era ruim, mas tão ruim, que ninguém tinha
dúvidas que seria sancionado pelo governador.
Melo Merenda havia
anunciado, em dezembro de 2014, a alucinada intenção de construir um duto que
transportaria o rio Amazonas para o nordeste, fazendo com que a pororoca
arrebentasse lá em Maceió, evitando o "desperdício" de tanta água
doce jogada no mar. Parece brincadeira, mas é sério. Tem gravação registrando
tudo. O cara, com todo respeito, é leso, só que é um leso perigoso, devido ao
poder que lhe foi conferido. O duto não foi pra frente, mas ele continuou
alucinado ao abrir legalmente os rios do Amazonas aos peixes não nativos e às
experiências de peixes híbridos, sancionando a Lei Estadual nº 4.330/2016.
Esta lei recebeu
várias denominações: "Lei da Tilápia", "Linguacu",
"Pira-aqui", "Manjubarucu" e outros. Para entender a razão
de tais nomes é preciso registrar que a lei permite a entrada nos rios
amazônicos de peixes não nativos, como a tilápia vinda da África, o linguado
proveniente do Golfo do México, a manjuba do litoral do Brasil, o robalo de
Portugal ou do Rio Grande do Norte. O que esses peixes aprontam, você vai ver
conhecendo a reação dos especialistas.
Hibridismo
Os ambientalistas
caíram de pau e exigiram a revogação da lei, argumentando que nenhum
pesquisador havia sido consultado para sua elaboração. Acionaram a Procuradoria
da República que resolveu recomendar ao Instituto de Proteção Ambiental do
Amazonas (IPAAM) o não licenciamento de novos empreendimentos de aquicultura
durante a vigência da Lei Linguacu, considerando seus vícios de
inconstitucionalidade formal e material e a supressão de vários artigos que
estavam presentes no texto original do projeto de lei.
O procurador da
República Rafael da Silva Rocha advertiu que "em nome da lucratividade de
curto prazo, nós podemos comprometer significativamente a diversidade dos
ecossistemas aquáticos e os serviços ambientais que eles proveem". No
intuito de se "obter lucro rápido e fácil para poucos", os custos
ambientais, sociais e econômico acabam sendo socializados, pois "os
impactos afetam os usuários das águas continentais amazônicas". Os
especialistas consideram que este cenário irá aumentar a invasão de espécies
com perda de biodiversidade em todo o território nacional.
O crime é tão patente
que até mesmo o Ministério do Meio Ambiente manifestou oposição à lei, que é
estadual, em nota oficial do ministro José Sarney Filho, esclarecendo que a
migração de espécies não-nativas degrada comprovadamente os ecossistemas, como
ocorreu em outras partes do mundo. Os órgãos e institutos ambientais assinaram
moção de repúdio contra essa ameaça à biodiversidade aquática, tanto para a
fauna quanto para a flora.
Apesar disso, o
governador Melo Merenda se manteve irredutível. Só mudou de ideia em meados de
julho quando viajou a Washington para pedir empréstimo de U$ 350 milhões (mais
de 1 bilhão de reais) ao BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento dizque
para "modernizar a gestão" com essa grana. Dizque. Os executivos do
banco condicionaram o empréstimo à revogação da Lei Linguacu que permite crimes
ambientais nos rios da Amazônia. Melo Merenda voltou de lá com o rabinho entre
as pernas e no dia 18 de agosto enviou mensagem à Assembleia Legislativa
(ALEAM) solicitando a revogação da lei que ele mesmo havia sancionado.
Na mensagem enviada à
ALEAM, o governador justifica que para regulamentar a atividade de aquicultura
no Estado do Amazonas se faz necessário revogar "integralmente o disposto
na Lei 4.330 a fim de restaurar o conteúdo do texto originalmente encaminhado
em 07 de abril de 2016, uma vez que o substitutivo a ele aplicado acabou por
prejudicar os aspectos de proteção ambiental relativos à matéria”. O pedido até
hoje está tramitando na ALEAM e, como a nova Lei não foi aprovada, a Linguacu
não foi ainda revogada. Mas os deputados com interesses bem específicos estão
insistindo em manter a hibridização.
Rameira
Sobre esse processo,
biólogos da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e da Universidade Estadual
de Londrina publicaram o artigo "Invasão dos híbridos em águas
continentais brasileiras" orientando a nós, leitores, que somos leigos no
assunto. Lá os autores - Ashikaga, F. Y., Casimiro, A.C., Kurchevski, G.;
Almeida, F.S. & Orsi1, M. - definem o processo de hibridação como "a
mistura de conjuntos gênicos de espécies diferentes, cujo resultado final pode
ser um indivíduo com características intermediárias". Esclarecem que
"não constitui uma ameaça na conservação de espécies" quando feita de
forma natural, mas que pode ser catastrófica quando causada por ação desastrosa
do homem. Suas pesquisas indicam que nesse caso acarretam "um grande
problema para a conservação, porque podem contribuir para a extinção da flora e
fauna".
Traduzindo no popular:
quando se usa as ovas do tambaqui e o sêmen do pacu, nasce o tambacu, o que
coloca em risco os aspectos genéticos das espécies originais. Se
hipoteticamente o linguado, que vem lá do Golfo do México, se enxerir para o pacu, o resultado será o linguacu, tão
desastroso para o ecossistema quanto o tilacu, produto de um créu do tucunaré
na tilápia africana ou até mesmo o manjubarucu, filho de um estupro da manjuba
pelo pirarucu. E se for o robalo introduzido no rio Apodi do Rio Grande do
Norte? Aí já entramos no campo das alianças políticas. Roba-lo-ei - diria o
ilustre mesoclireiro.
O hibridismo em busca
do lucro e do poder foi justamente o que aconteceu em Manaus. O candidato a
prefeito, Marcelo Ramos (PR, vixe, vixe, vixe), era um bom menino, não fazia
xixi na cama quando andava na companhia do Serafim Correa e escrevia aqui nesse
Diário textos que eu lia com o maior interesse. Acontece que ele se aliou ao
ex-ministro, Alfredo Nascimento, o Cabo Pereira, envolvido num esquema de
arrecadação de propina no Ministério dos Transportes, de fraudes em licitações
e de superfaturamento de preços. O resultado do cruzamento de Marcelo Ramos com
o Cabo Pereira originou o Marcelo Rameira, da mesma forma que seu outro
apoiador, o governador Melo Merenda, com essa aliança, dá origem ao Melo
Merendeira. São espécies tão nocivas ao Amazonas quanto o tambacu, o linguacu e
o pira-aqui.
P.S. - Nesta
quinta-feira (06/10). às 17 hrs, na Academia Nacional de Medicina, no Rio de
Janeiro, houve o lançamento do livro "Inclusão Social, Equidade e
Qualidade de Vida - Resgate Histórico (1995-2015), organizado, entre outros
autores, por Vera Lima e Auxiliadora Bessa Barroso, com o apoio da União
Internacional de Promoção da Saúde - Oficina Latino Americana - Coordenação
Brasil (UIPES/Orla - Brasil). Foi durante o Simpósio Drogas, Saúde e Direito
aberto pelo desembargador Siro Darlan.
*
Jornalista, professor e historiador.
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