quarta-feira, 3 de junho de 2015

Eu não gosto de tudo que vejo; eu escolho aquilo que gosto

* Por Mara Narciso


Uma artista plástica cujo traço consagrado pinta preferencialmente mulheres em cores alegres. Um estilista domina não só o ofício, como também boa parte da cena da moda local e alhures. Duas vertentes artísticas se juntam num projeto cujo encontro, imagina-se, terá um resultado marcante. Só que aconteceu bem mais do que isso. A “Exposição Suporte” teve instalações casadas, que estavam suspensas, jogadas ao chão, ou vestindo a artista e visitantes numa integração entre roupas, telas, sapatos, bolsas, gravatas e cadeiras.

As personagens criadas por Conceição Melo saíram das paredes e povoaram estampas em roupas idealizadas por Ascânio Macedo. Fácil, pode parecer. Eu não vi nenhuma roupa previsível ou banal. Cada uma e todas elas tinham um recado a dar. Assim como os quadros de Conceição Melo fazem, as roupas de Ascânio Macedo falaram ao público. Discursaram com força e estilo, enquanto os visitantes demonstravam na face o que viam.

O público feminino dominou o recinto, mas não apenas ele travava o inusitado diálogo do belo com o mais belo. Além de serem telas representando mulheres, desde a sua exposição anterior “Mulheres, santas mulheres”, as personagens de Conceição Melo ficaram mais livres e autênticas. Suas criações alcançaram a felicidade, assim como a autora. Perderam a timidez, largaram de ser sufocadas pelas circunstâncias. Tornaram-se independentes. Agir, pintar, como Frida Kalo, presente em tela, cadeira e roupas. Foi quem mais encantou ao público, que mal viu e já comprou. Retratada e compradoras mostraram atitude, coisas de Conceição Melo, bela como suas criaturas, num vestido estampado com minúsculas figuras imaginadas e pintadas por ela. Muito glamour naquela roupa de franjas, enquanto as rosas vermelhas passeavam em várias de suas criações, mostrando uma unidade temporal na obra.

Ascânio Macedo olhava e modificava a posição de suas roupas com jeito de escultura, uma delas, uma saia preta com inúmeras imagens de Frida Kalo, estava sobre pernas semi-abertas em cima de um cubo, que era uma atraente brincadeira. O tecido, a textura, a arrumação, nada feito ao acaso, tudo valorizava a roupa. Uma arara ao fundo do salão tinha roupas em cabide, outros vestidos e conjuntos ornavam o chão, ou vinham do teto em invisíveis cordões. Roupas finas, chiques, surpreendentes, alegres ou em preto ou P & B, feitas e expostas de forma caprichosa. Além das figuras femininas pulsando vida fora das telas, que eram um detalhe ou estampavam toda a roupa, também estampas abstratas estavam por ali, para ornar o mundo e a vida.

Figuras icônicas ou recentes foram pintadas ou impressas em cadeiras de braço, únicas em sua arte. Gente de longe tratou de reservar, antes que se acabem. Botas, sapatos e bolsas pintados à mão eram peças apalpadas e desejadas, em meio ao discreto zunzum. Convidados olhavam com calma, para não perder detalhe nem impressão, além do natural cuidado para não pisar nas peças feitas tapetes inesperados.

A Casa de Cultura Márcia Prates, local da exposição, é uma casa de artista com todos os seus predicados. Em cada canto, tem algo a ser contemplado. E a maneira entusiasmada de Márcia Prates receber, traz alegria e faz o momento crescer. O evento foi marcado pelas surpresas, público e beleza. Nem os dois artistas devem ter imaginado uma aglutinação tão equilibrada entre as duas manifestações artísticas. Ou como querem que se diga: arte nas diversas mídias.

Ainda que as possam vestir, nem todas as mulheres se adaptam às peças ímpares da coleção. Um detalhe talvez sirva a todos os estilos, mas algumas roupas adequam-se apenas às pessoas extravagantes. Quanto aos quadros, estão povoando as melhores salas da cidade. Espalhem, contem aos que ainda não sabem. No caso, falar demais não resultará em overdose, mas em pura justiça.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Interessante essa "ancoragem" mútua entre artista plástica e estilista para o sucesso do evento. Bacana, Mara!

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    1. É a segunda experiência dos dois nestse sentido, e ambas foram boas, especialmente a atual. Obrigada pela passagem e comentário, Marcelo.

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