O dia em que o Recife entrou em pânico
* Por
José Calvino de Andrade Lima
Era uma manhã de 21 de
julho de 1975, dia de sol, céu azul. No centro do Recife, o movimento nas
avenidas (Guararapes e Conde da Boa Vista) era imenso, com bicicletas pelas
calçadas, na contramão, carrocinhas também na contramão, cocô e mijo de gente
nos becos e vielas, um cheiro de lama e sujeira por toda parte. Aliás, Recife
continua suja. A linda paisagem dos manguezais que beiram o rio Capibaribe, em
frente à Casa da Cultura, apresentava marcas de lama que exalava um odor de
pântano. O rio Capibaribe arrastava os bálsamos das algas baronesas por baixo
das pontes. Recife estava triste devido às chuvas recentes que causaram
estragos pela inundação do Capibaribe.
“Tapacurá estourou!”
Foi o alarme anônimo. A cidade seria destruída. O pessoal corria de um lado
para o outro, repartições públicas ficaram vazias, lojas fecharam suas portas,
carros na contramão, acidentes de trânsito, pessoas acidentadas, ônibus
invadidos, na volta para os subúrbios. Um caos. Wilson que mora no Morro de
Nossa Senhora da Conceição, bairro de Casa Amarela, um assíduo do centro do
Recife, quando soube resolveu voltar no mesmo ônibus que retornou da avenida
Norte (hoje Av. Norte Miguel Arraes de Alencar) , ficando em casa ouvindo as
notícias pelo rádio. A minha esposa Maura, que se encontrava no segundo andar
dos Correios & Telégrafos, ouviu o alarme : “A barragem de Tapacurá
estourou, vem é muita água!”
Como nós morávamos no
bairro do Prado, próximo da avenida Caxangá, os prejuízos foram enormes por se
tratar de uns sete quilômetros em paralelo ao rio Capibaribe. Um senhor disse
logo: “Passou foi cavalo nadando no Capibaribe!” Sabendo que iria se encontrar
comigo na Central de Comunicações do Palácio do Governo, ela chegou desesperada
com a notícia, pois na cheia de 70 em nossa casa entrara uns 70 cm d’água. O
então tenente da Polícia Militar Marcus Marvão, dirigindo seu carro, percebendo
que o trânsito estava uma loucura, ouviu alguns comentários desesperadores
avisando a catástrofe que estava para acontecer, a barragem de Tapacurá havia
rompido. Então resolveu avisar ao oficial de dia do Batalhão de Guardas, anexo
ao Palácio do Campo das Princesas.
O então governador
José Francisco de Moura Cavalcanti, que se encontrava despachando em seu
gabinete, já havia decretado calamidade pública, em consequência das recentes
inundações. Incontinenti, o oficial de dia avisou ao governador: “O Tapacurá
arrombou e vai acabar com tudo, o povo está em pânico nas ruas!” Moura
Cavalcanti então convocou urgente o coronel Geraldo Pereira, chefe da Casa
Militar, procurando saber o que estava acontecendo. Este respondeu que tinha
dado ordens para a Central de Comunicações da Polícia Militar e Corpo de
Bombeiros escalarem policiais de prontidão no setor de administração da
barragem, comunicando-se diretamente com a Central de Comunicações do Palácio.
Ao transmitir o pedido de informações, recebeu a resposta de que estava tudo
normal. Quando o oficial de dia recebeu o comunicado de que o helicóptero que
havia conduzido o governador com os coronéis, o Chefe da Casa Militar e do
Corpo de Bombeiros, iria pousar em frente à Assembléia Legislativa, na rua da
Aurora, enviou um grupamento de soldados marchando em passo acelerado, todos
com gorros de pala correndo pela ponte Princesa Isabel. Foi aí que os civis
acreditaram que realmente a barragem havia estourado. “Olha a polícia correndo.
Misericórdia, meu Deus do céu!” Numa cena hilária, os gorros de alguns soldados
foram arrancados da cabeça dos militares pelo forte vento da hélice do
helicóptero, chamando ainda mais a atenção dos que se encontravam em pânico.
Repentinamente o
governador, em plena rua do Hospício, em frente ao Diretório Central dos
Estudantes, disse aos estudantes agitados: “Não é verdade, vocês acham que se
Tapacurá houvesse arrombado eu estaria aqui agora?” Então, eles começaram a se
acalmar e os mais agitados passaram a controlar os demais, que saíram avisando
para o povo: “É mentira, Tapacurá não estourou, é tudo boato, não é nada!”
As emissoras de rádio
e televisão desmentiam os rumores da notícia e a cidade que viveu a explosão do
pânico, foi reordenando-se aos poucos. O rádio transmitia o desmentido pela
própria voz do governador do Estado. Os jornais noticiaram que tudo não passara
de um simples boato. As autoridades aproveitaram-se e logo trataram de acusar
os “subversivos” (era a moda do regime militar) e a polícia começou a prender
suspeitos... O tenente Marvão quase era enquadrado na Lei de Segurança
Nacional. O oficial de dia do Batalhão foi punido por ter mandado os soldados
em passo acelerado, causando mais transtorno para a população.
*
Escritor, poeta e teatrólogo pernambucano
Fato interessante, que lembra, em parte, o falso alerta de Orson Welles no rádio, sobre a invasão da terra pelos marcianos.
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