Café amargo
* Por
Adelcir Oliveira
A partir de quando não
sei. Sou péssimo em precisar datas. E tal detalhe pouco importa. Sei que
deixava uma sobra. Pouca coisa. Não bebia todo o café. Havia dois motivos: a
presença do açúcar; a perda da temperatura.
Hoje. Domingo. Tomei
três cafés em locais diferentes. O dia não terminou. Segue o domingo. Segue o
texto. Os cafés não cessaram.
Declinei do açúcar.
Isto se deu há coisa de uma semana. Agora o café é amargo. Sem mascavo. Nem
refinado, ou granulado.
Meu irmão mais velho, pessoa
de humor refinado, provocava-me. Dizia que eu não gostava do café de fato. Para
mim, segundo ele, valia o ato, o glamour. O açúcar era o motivo. Ele ensinava: café,
o gosto dele de verdade, deve ser sem açúcar. Eu não concordava. Teimava.
Insisita no sabor adocicado.
Mas um açucareiro
desajeitado levou-me ao amargo. Eu o usava ao tomar café em um dos meus
trabalhos. Cuidava para não cair uma avalanche de grãos refinados que adoçariam
em demasia o copinho de plástico com a bebida preferida. Fui me dando conta de
que quanto menos açúcar mais gostoso ficava o café. E fui declinando. Parecia
um fumante que deixa o vício aos poucos. Meu vício talvez não fosse a cafeína,
talvez fosse o açúcar. Mas isso é mero jogo de palavras. Sou viciado mesmo no
ato. Acompanhado, ou solitário, o café é o que importa.
No domingo em questão
creio que sorvi umas cinco xícaras em locais diversos. Eu peregrinava por
Sampa. Sozinho. Queria glamour. Doses de aventura. Fui do cult à luxúria.
Cinesesc: café e jornal.
Bar Monarca: wi-fi e pizza. Espaço Itaú de cinema: café e um documentário.
Flerte e sala pouco ocupada. Tudo regado a goles de água. Preciso mais de água
do que qualquer outra coisa.
"Sem Pena".
Documentário, a respeito da realidade carcerária no Brasil. Atrás das grades
pessoas pobres. Muitas sem pena. Sem acesso a advogados. Crimes primários que
seriam penalizados com serviços sociais. Atrás das grades o resumo do
sentimento dos donos do poder e capital
pelo pobre: desprezo. Absoluto desprezo. Ricos não ficam ali naquelas celas
cheias. Ricos têm advogados. A justiça funciona para eles. E os pobres,
ironicamente, são julgados pelos ricos.
O Brasil fabrica bandidos. A cadeia é a pós-graduação. Seria mais barato mandar
os presos para as faculdades. Quanto aos corruptos, estes roubam muito mais.
Não matam diretamente. E se vão presos, em breve vão para a casa. Quanto aos
bandidos altamente violentos que matam e tudo mais, ficamos nós à mercê deles.
Donos de bancos e empreiteiras, estes não caminham pelas calçadas das cidades à
noite depois do trabalho. Seus filhos voltam das faculdades (normalmente
públicas) com escolta. Fiquemos nós à mercê de tanta violência.
Sim. "Sem
pena" me trouxe mais alimento para as minhas reflexões de um dos assuntos
que mais interessa: o sistema carcerário. Mas voltemos ao glamour.
Quase 22h. Caminho
pela Augusta, baixo Augusta. Observo. Vejo belas mulheres. Muitos gays e
lésbicas. Prostitutas. Novas edificações. Tenho rumo. Rua Nestor Pestana.
Local: Kilt. Uma casa de prostituição de luxo. Quero observar. Não estou em
busca de corpos para se deitar. Por 66 reais tenho direito a ficar no balcão e
tomar um drinque. Escolho um vinho frisante, que é mais fraco. Uma garota de
programa me aborda e a conversa não dura nem dois minutos. Deixo claro que não
quero seu corpo. Fica mais claro ainda que sua insegurança e falta de assunto
me desagradam. Observo. Vejo mulheres dançando. A cor vermelha predomina no
ambiente. Muitos homens orientais se encontram no lugar. Um homem acima de 60
anos se distrai com uma garota que veste só um biquíni. Uma bela mulher. Aliás,
o local tem belas mulheres, com suas exceções.
Uma prostituta de nome
fictício Ellen jurava que havia me confundido. Ela parece atriz. Rosto e corpo
perfeito. Leviandade gritante. Desvio de comportamento evidente. Conversamos.
Invento que se fosse rico passaria a noite com ela. Não pergunto o valor do
programa. Ela vai se trocar e volta. Depois me esquece. E me deixa.
Ana Paula. Belíssima
morena. Muito agradável. Conversamos e rimos. Seus olhos negros me encantam.
Seu rosto lembra atrizes globais. Ela pede uma bebida e ri das minhas
negativas, das desculpas. Não pago o drinque. Ela diz que vai dançar. Pede que
a observe e a chame caso queira com ela sair. Mais 6 minutos e parto. Pago e
sumo. Antes de tomar rumo para casa, um café mal servido no boteco. Caminho até
a Repúlica. Um jovem transtornado me aborda. Não dou ouvidos. Depois ouço o
barulho do skate contra a banca de jornal. Os gritos e palavrões. Não sei se
estava bêbado ou drogado. O que me valia era ir para a casa. Eu estava bem.
Muito calmo. Satisfeito pelos cafés que tomei. Pelas doses de glamour. Pelas mulheres que vi. E pela falta
de açúcar.
• Blogueiro e corretor de imóveis
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