“Oh
sol, tu que és tão forte, derrete a neve que prende o meu pezinho”!
* Por
Mara Narciso
Eram 14 horas, e
próxima da Santa Casa de Montes Claros, vim a pé pela Praça Honorato Alves e
entrei na Avenida Coronel Prates. A temperatura de 37 graus à sombra, num
janeiro atípico, depois de uma espera de dois meses pela chuva, que não veio,
fazia tremular o asfalto. Ri mentalmente de uma frase que costumo dizer: “adoro
o calor. Quando o asfalto está tremendo, aí eu estou feliz”. Há muito me cansei
de pedir chuva, pela inutilidade do esforço. Não sei se morreremos fritos,
assados ou esturricados, mas, ao atravessar a rua, vi, pelo ar de desalento dos
transeuntes, andando como almas no inferno, que o fim estava próximo. E, devido
ao calor de deserto, boca e olhos secos, e uma sensação de desmaio,
contraditoriamente, lembrei-me de um disquinho de histórias infantis, que tinha
na casa da minha tia Ninha, e que contava do desespero da formiga, que iria
morrer congelada, caso o sol não a esquentasse e a ajudasse a soltar-se da
neve, que prendia seu pé.
Como dizia uma irmã da
minha avó, Tia Juracy: “Deus soube somar, subtrair, e multiplicar, mas não
soube dividir”. Parece que não, embora, ela mesma fizesse um adendo: “todos
estão satisfeitos com a inteligência que receberam, pois não vejo ninguém
reclamar de que tenha recebido pouca”. Mas o calor deixa a cabeça fraca, surgindo
delírios. E olha que ainda temos água. Pensar em sua total extinção é bom para
economizar, mas imaginar a seca final aumentam a sede e a sensação de calor.
“Me dê um copo d’água tenho sede/ e essa sede pode me matar// Meu coração só
pede um copo d’água/ e os meus olhos pedem o seu olhar//”. (Gilberto Gil)
Há quem ache que seja
exagero e não mudou nada no seu consumo, continuando a lavar quintal, jardim,
muros, passeios, ruas e carros com mangueira aberta a ponto de fazer lagoas no
meio da rua. Não vou me surpreender quando alguém mais consciente quanto à
água, mas inconsciente quanto às leis, agredir fisicamente quem esteja jogando
água fora. Mesmo que seja água de cisterna – devido à chuva inconstante, muita
gente tem cisterna em casa, mas elas estão secas, com os motores de fora -, ou
poços artesianos, que já estão secando. A água subterrânea é de toda a
comunidade, e também não pode ser desperdiçada. Há populações que se abasteciam
de poço e já estão recebendo água em caminhão-pipa.
Onde lavo o carro –
espacei a lavação para a cada 10 dias, sendo que antes era a cada sete dias,
tem cisterna, mas, desde que não choveu em dezembro, o dono mandou reduzir o
consumo de água, usando balde no caso de carros mais limpos, e jato sob pressão
apenas quando o carro estiver sujo de barro (o que quase não acontece, já que
não chove). Ainda assim, está preocupado, pois não tem água para esperar o
possível período chuvoso, que deverá começar em outubro/novembro deste ano, já
que aqui, no Polígono das Secas costuma chover um mês depois do começo da
primavera até março. O restante do tempo não chove. Fevereiro começando, há
esperança de que caia chuva neste e no próximo mês.
Como morei por nove
anos no Bairro Morada do Parque, parte alta e ponta de rede, sentíamos na pele
a falta de água, que ficava sem aparecer por mais de 48 horas. A companhia
enviava caminhões-pipa, que iam enchendo as caixas casa a casa. Na nossa vez
era mais fácil e rápido, pois tínhamos um reservatório de mil litros no chão do
jardim, com uma bomba submersa que jogava o conteúdo na caixa lá de cima.
Assim, aprendemos a estocar e a economizar água. E o que as pessoas estão
aprendendo agora, desde 1987 a gente já fazia no tempo seco. Simultaneamente ao
nosso desenvolvimento de habilidade em lidar com a escassez, pessoas que
moravam na parte baixa do bairro e em cujas torneiras corria água o dia todo,
não se constrangiam em jogar um rio fora todos os dias.
É preciso poupar cada
gota, pois poderá fazer falta adiante. Ainda assim, há os que insistem em
ignorar o apelo das autoridades, as quais usam palavras como restrição hídrica,
momento trágico, expectativa do caos e situação gravíssima. O governo, que
costuma ocultar as reais situações com o intuito de não alarmar a população, já
usa esses termos fortes. Imagino que saibam o que dizem, sendo melhor
obedecer-lhes. Muito em breve estaremos dessalinizando a água do mar, ou
reutilizando a própria urina, como foi mostrado num filme de ficção científica,
de 1994, chamado "Waterworld", com Kevin Costner. Espero não ter de
ver isso. Conviver com o Rio São Francisco seco, já foi demais para mim.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Mara, por aqui chove hoje, mas o nível do sistema Cantareira teima em ficar estacionado. Deus sabe o que virá nos próximos meses. Desejo melhor sorte para Montes Claros, que bem vem merecendo uma chuva criadeira - constante e forte. Torço por vocês!
ResponderExcluirSua torcida sincera começou a dar certo. Choveu ontem à noite e hoje de manhã, mas um pinguinhos tímidos, sem força alguma. Que a água caia do céu, pois a nossa seca já dura mais de quatro anos. Obrigada, Marcelo, por me enviar as suas forças.
ExcluirNesse clima tenho recordado a música de Jorge Ben Jor: "Chove chuva, chove sem parar...(...)" Esperemos que ela venha logo e em abundância.
ResponderExcluirNesse clima tenho recordado a música de Jorge Ben Jor: "Chove chuva, chove sem parar...(...)" Esperemos que ela venha logo e em abundância.
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