quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

“Oh sol, tu que és tão forte, derrete a neve que prende o meu pezinho”!


* Por Mara Narciso


Eram 14 horas, e próxima da Santa Casa de Montes Claros, vim a pé pela Praça Honorato Alves e entrei na Avenida Coronel Prates. A temperatura de 37 graus à sombra, num janeiro atípico, depois de uma espera de dois meses pela chuva, que não veio, fazia tremular o asfalto. Ri mentalmente de uma frase que costumo dizer: “adoro o calor. Quando o asfalto está tremendo, aí eu estou feliz”. Há muito me cansei de pedir chuva, pela inutilidade do esforço. Não sei se morreremos fritos, assados ou esturricados, mas, ao atravessar a rua, vi, pelo ar de desalento dos transeuntes, andando como almas no inferno, que o fim estava próximo. E, devido ao calor de deserto, boca e olhos secos, e uma sensação de desmaio, contraditoriamente, lembrei-me de um disquinho de histórias infantis, que tinha na casa da minha tia Ninha, e que contava do desespero da formiga, que iria morrer congelada, caso o sol não a esquentasse e a ajudasse a soltar-se da neve, que prendia seu pé.

Como dizia uma irmã da minha avó, Tia Juracy: “Deus soube somar, subtrair, e multiplicar, mas não soube dividir”. Parece que não, embora, ela mesma fizesse um adendo: “todos estão satisfeitos com a inteligência que receberam, pois não vejo ninguém reclamar de que tenha recebido pouca”. Mas o calor deixa a cabeça fraca, surgindo delírios. E olha que ainda temos água. Pensar em sua total extinção é bom para economizar, mas imaginar a seca final aumentam a sede e a sensação de calor. “Me dê um copo d’água tenho sede/ e essa sede pode me matar// Meu coração só pede um copo d’água/ e os meus olhos pedem o seu olhar//”. (Gilberto Gil)

Há quem ache que seja exagero e não mudou nada no seu consumo, continuando a lavar quintal, jardim, muros, passeios, ruas e carros com mangueira aberta a ponto de fazer lagoas no meio da rua. Não vou me surpreender quando alguém mais consciente quanto à água, mas inconsciente quanto às leis, agredir fisicamente quem esteja jogando água fora. Mesmo que seja água de cisterna – devido à chuva inconstante, muita gente tem cisterna em casa, mas elas estão secas, com os motores de fora -, ou poços artesianos, que já estão secando. A água subterrânea é de toda a comunidade, e também não pode ser desperdiçada. Há populações que se abasteciam de poço e já estão recebendo água em caminhão-pipa.

Onde lavo o carro – espacei a lavação para a cada 10 dias, sendo que antes era a cada sete dias, tem cisterna, mas, desde que não choveu em dezembro, o dono mandou reduzir o consumo de água, usando balde no caso de carros mais limpos, e jato sob pressão apenas quando o carro estiver sujo de barro (o que quase não acontece, já que não chove). Ainda assim, está preocupado, pois não tem água para esperar o possível período chuvoso, que deverá começar em outubro/novembro deste ano, já que aqui, no Polígono das Secas costuma chover um mês depois do começo da primavera até março. O restante do tempo não chove. Fevereiro começando, há esperança de que caia chuva neste e no próximo mês.

Como morei por nove anos no Bairro Morada do Parque, parte alta e ponta de rede, sentíamos na pele a falta de água, que ficava sem aparecer por mais de 48 horas. A companhia enviava caminhões-pipa, que iam enchendo as caixas casa a casa. Na nossa vez era mais fácil e rápido, pois tínhamos um reservatório de mil litros no chão do jardim, com uma bomba submersa que jogava o conteúdo na caixa lá de cima. Assim, aprendemos a estocar e a economizar água. E o que as pessoas estão aprendendo agora, desde 1987 a gente já fazia no tempo seco. Simultaneamente ao nosso desenvolvimento de habilidade em lidar com a escassez, pessoas que moravam na parte baixa do bairro e em cujas torneiras corria água o dia todo, não se constrangiam em jogar um rio fora todos os dias.

É preciso poupar cada gota, pois poderá fazer falta adiante. Ainda assim, há os que insistem em ignorar o apelo das autoridades, as quais usam palavras como restrição hídrica, momento trágico, expectativa do caos e situação gravíssima. O governo, que costuma ocultar as reais situações com o intuito de não alarmar a população, já usa esses termos fortes. Imagino que saibam o que dizem, sendo melhor obedecer-lhes. Muito em breve estaremos dessalinizando a água do mar, ou reutilizando a própria urina, como foi mostrado num filme de ficção científica, de 1994, chamado "Waterworld", com Kevin Costner. Espero não ter de ver isso. Conviver com o Rio São Francisco seco, já foi demais para mim.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


4 comentários:

  1. Mara, por aqui chove hoje, mas o nível do sistema Cantareira teima em ficar estacionado. Deus sabe o que virá nos próximos meses. Desejo melhor sorte para Montes Claros, que bem vem merecendo uma chuva criadeira - constante e forte. Torço por vocês!

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    1. Sua torcida sincera começou a dar certo. Choveu ontem à noite e hoje de manhã, mas um pinguinhos tímidos, sem força alguma. Que a água caia do céu, pois a nossa seca já dura mais de quatro anos. Obrigada, Marcelo, por me enviar as suas forças.

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  2. Nesse clima tenho recordado a música de Jorge Ben Jor: "Chove chuva, chove sem parar...(...)" Esperemos que ela venha logo e em abundância.

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  3. Nesse clima tenho recordado a música de Jorge Ben Jor: "Chove chuva, chove sem parar...(...)" Esperemos que ela venha logo e em abundância.

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