domingo, 22 de fevereiro de 2015

Poema simples


* Por Pablo Uchoa


Esta tarde vi um burro cinzento
que me cagou em frente ao portão
ali onde o jornaleiro
deposita diariamente as principais notícias do Brasil e do mundo
Como apareceu insólito eqüino
das entranhas dessa seara de betume
só Deus saberá!

Resignado, admiti uma pá e a sacola de lixo
E aceitei minha majestade
naquele patamar ao que pertenço
interrompendo por dez minutos
meu distinto estudo
Terminei meu trabalho olhando as pernas
– femininas, é claro –
que vêm e vão

Um amigo certa feita me disse:
- Homem de sorte! Rodeado de mulheres interessantes!
Olho à minha volta:
passam as mulheres do seu tempo
A executiva, a gerente, a clubber
Meio-dia na cidade, apressam-se
do alto de seus tailleurs e saltos agulhas
planos de metas e objetivos de carreira
Ou então piercings e cabelos coloridos
E eu com as mãos na bosta

Ora essa, quem precisa de tanta atitude!
Sortudo serei de encontrar minha Lurdinha
minha matuta simples e alegre
que não seja de seu tempo nem de tempo nenhum
que se contente em gastar suas tardes comigo,
avoados,
a observar os passarinhos.

(*) Cronista e editor do site www.narizdecera.jor.br. Vive atualmente na Inglaterra, dedicando-se a pesquisas no Institute for the Studies of the Americas, da Universidade de Londres. Autor do livro-reportagem “Venezuela: A Encruzilhada de Hugo Chávez” (Ed. Globo, 2003), menção honrosa no prêmio Vladimir Herzog 2004.

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