quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Quando morre vira santo

* Por Mara Narciso


Os elogios chegam copiosos, e intermináveis. Gente avoluma mais lotes de palavras positivas, uns acalentando os outros. Então, se vê a verdadeira grandeza daquela pessoa que esteve por aqui, trazendo palavras de incentivo, força e fé, confirmando o bem, agregando, incansavelmente. E em pleno disfarce. Por ser um entusiasta, seu exagero camuflava a real dimensão do que fazia, e como disse sua sobrinha Lívia Cabral, causou surpresa até aos mais próximos o tamanho de quem já não está entre nós. Desapareceu.
Aconteceu uma homenagem póstuma de peso no “Programa Nossa Arte Nossa Gente”, da Rádio Unimontes, 101,1 megahertz e na internet www.unimontes.br/rádio, a José Geraldo Mendonça Júnior, o Penninha Júnior. Ele cunhou um poema icônico, que diz assim:

“O amor só cresce
quando se reparte
Fazendo da parte o todo
Do todo a parte
Enfim, cada um a sua parte”

Alguns dias depois da sua morte, que aconteceu de forma não combinada, seus amigos estão aos pedaços, ainda presos em lamentações, exatamente porque Júnior foi uma pessoa verdadeira, algo ingênua, que, desinteressadamente trabalhou em prol da cultura, da música e da poesia, que era a sua verdadeira arte.

Seu território profissional era a economia, seu trabalho, a humanização do Hospital Universitário, sua luta era por um mundo melhor. Já suas paixões foram várias, e seus amores universais. Lutou contra o preconceito e as injustiças, e levava isso de forma leve, embora se valesse de informações concretas para argumentar.

A boa música, a família e seus amigos estão órfãos. A sua dedicação aos pais, irmãs e sobrinhas, num cuidado incondicional, do tipo que resolve tudo, deixa um rasgo que continua a sangrar. Quem vai fazer o que ele fazia, silenciosamente? Porque, com humildade, mas com posição definida, afastava-se da queda de braço, até por não ter força física. Saía de cena, não sem antes mostrar sua implicante militância de esquerda, alicerçado em contra-argumentos intransigentes.  Era o jeito dele, na sua mania de ser bom, num otimismo sorridente. Inimigos, se os tem, são meros oponentes ideológicos.

A fragilidade motora moldou sua personalidade, fazendo-o forte para enfrentar, não apenas a ironia da humanidade, que aprecia o perfeito, mas também à crítica cruel. No começo da sua caminhada, quando ainda não conseguia andar, já chegando aos cinco anos, sua mãe Nininha Narciso Mendonça fazia exercícios com ele, e sonhava com o dia em que ele andasse sem ajuda no seu velocípede de metal. Com o pescoço molinho, a guerra foi longa, com várias batalhas, até que um dia, conseguiu deslocar-se por seus próprios meios. Quando já caminhava, veio o trator, este de plástico verde, que tinha uma carrocinha, onde a sua mãe, pouco a pouco colocava tijolos para ele puxar e se fortalecer, já que lhe faltavam músculos. Ao espaço de dias, era colocado mais um tijolo. Uma vez, Júnior menino foi até a porta da rua no seu trator, porém com a carretinha vazia. Uma criança da vizinhança, que costumava humilhá-lo com escárnio, riu debochado: “Uai, hoje você não vai fazer força puxando tijolos?” No que ele respondeu: “Quando eu precisar de força, meu pai paga você para puxar o trator.” O vizinho não mais zombou dele.

Alex Tuta e Lúcio Higino, os apresentadores do “Programa Nossa Arte Nossa Gente” fizeram a homenagem, considerando-se que Penninha Júnior foi um ativo incentivador da música, com palavras, contatos e ações.  Trouxe gente de todos os cantos até a Rádio Unimontes, se não em pessoa, pelo menos em CD, proporcionando uma divulgação integral de novos cantores e compositores. Isso enriqueceu o programa. Tocaram depoimentos e músicas de Marcos Assunção, Sérgio Andrade, Pedro Sampaio, Tuia Lencione e Aline Mendonça, que foram vítimas da divulgação incansável de Penninha Júnior. O agitador cultural Aroldo Pereira declamou um dos poemas do poeta, destacando a sua participação nas várias edições do “Salão Nacional de Poesia Psiu Poético”. A cantora Débora Rosa, que cantou no seu velório a música Beatriz, de Chico Buarque, também se fez presente em elogios.         

Não e não. Morrer não torna santos os maus, tornam melhores os bons, pois, o que nos passou despercebido, vem à tona, fazendo presente o passado, e os verdadeiros feitos aparecem. Assim fez e foi Penninha Júnior! Você pode alegar que ele não fez nada de mais. Morra e veremos a repercussão da sua morte.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



Um comentário:

  1. Belo texto de homenagem, Mara. Penninha Júnior ao que parece foi mesmo um ser humano extraordinário. Meus sentimentos.

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