Machado
recusado
As obras, quando consistentes e de
qualidade, quer em literatura, quer em qualquer outra atividade, quase sempre
exaltam e imortalizam seus autores. Como toda a regra, porém, esta também tem
exceções. Há casos de escritores que ficam conhecidos por somente um ou dois
dos seus livros, os de maior aceitação (porque melhor divulgados) por parte do
público. Os outros que escreveram, mesmo que de qualidade superior ---
temática, ou estilística, ou ambas --- passam batidos para os leitores e muitas
vezes até para os especialistas.
São "filhos" cuja paternidade
não é reconhecida, por razões, na maior parte dos casos, subjetivas. E, ao que
se saiba, não existe nenhum teste de DNA literário, para atestar a paternidade
de uma obra. O jornal Folha de S. Paulo fez uma experiência bastante
interessante, em abril de 2002 (se não me falha a memória), criticada por
muitos, mas bastante válida, que ilustra bem essa constatação. O então
responsável pelo caderno "Ilustrada", especializado em artes e
variedades desse prestigioso diário, enviou o que deu a entender serem os
originais de um romance pouco conhecido de ninguém menos do que Machado de
Assis, sem identificar, obviamente, o autor, para seis das maiores, mais
poderosas e mais expressivas editoras do País.
Levando em conta o fato de que se trata
do escritor brasileiro, tido e havido com a máxima justiça como senão o melhor,
um dos melhores de todos os tempos, autor emblemático no qual várias gerações
de romancistas e contistas se espelharam (e ainda se espelham), seria de se
esperar que o texto oferecido fosse, caso não se percebesse a burla e não se
identificasse seu verdadeiro autor, aceito de imediato, sem qualquer hesitação
ou restrição, não por uma, mas por todas as seis empresas da indústria
editorial que o receberam. Pela lógica, deveria haver, nesse caso, até mesmo
acirrada disputa para a aquisição do direito de publicação.
Afinal, a marca do estilo e da
genialidade do fundador da Academia Brasileira de Letras, que lhe garantiu a
imortalidade nas letras nacionais e até internacionais, está presente em cada
página do referido trabalho. No entanto, na literatura, como na vida, há casos
em que os "pais" sobrevivem aos "filhos" na memória da
posteridade. Nenhuma das seis editoras, às quais os originais do livro
"Casa Velha", de Machado de Assis, foram oferecidos, se dispôs a
publicar tal romance.
Há, é claro, a possibilidade da burla
ter sido detectada (o que não parece muito provável, pela resposta dada pelos
destinatários, pelo menos aqueles que responderam, para a recusa da obra). O
que me leva a outra hipótese: à presunção, lógica, de que os editores não
reconheceram o texto como de autoria do mais conhecido, estudado e comentado
escritor brasileiro de todos os tempos. E, o que é mais constrangedor: não
viram qualidades suficientes no texto para merecer seu aval, o que, em tese,
garantiria sua publicação. Em resumo: "bateram com a porta na cara"
do Machadão (muito provavelmente sem saberem que era ele).
Três das editoras sequer responderam à
oferta dos originais, feita pelo suposto autor (no caso o funcionário da Folha
de S. Paulo, que planejou o referido teste). Claro que podem ter percebido o
embuste e resolvido sequer dar trela àquilo que talvez interpretassem (no caso,
com razão), como "brincadeira de mau gosto". Prefiro acreditar nessa
hipótese. É a menos vexatória.
O pior foi o que aconteceu com as
outras três. Acusaram, por carta, o recebimento dos originais do livro, mas,
gentilmente, como de praxe quando se trata de escritor "desconhecido",
declinaram de publicar o romance, sem em momento algum mencionar o motivo.
Provavelmente, o texto sequer chegou a ser lido. Foi devolvido intacto, da
forma como chegou. Lamentável...
Se Machado de Assis foi recusado, sem a
menor cerimônia, sem que houvesse sequer a mais superficial apreciação dos
supostos "originais", o que podem esperar os autores novos,
desconhecidos do público, mesmo que criativos, excelentes ou até mesmo geniais,
para editar os seus primeiros livros? Daí, esse marasmo editorial, essa falta
de romances de qualidade (já nem diria excepcionais, que seria esperar demais,
mas pelo menos razoáveis), de poemas que pelo menos sejam inteligíveis, de
contos que não se limitem a lugares-comuns e de crônicas inteligentes, como as
dos grandes mestres do gênero, que aos poucos vão desaparecendo do cenário
literário nacional.
Impingem-nos, em contrapartida, muitos
autores que nada têm a ver com a nossa realidade, gosto ou com a nossa cultura.
Muitos sequer apresentam o mínimo de criatividade e talento. Enquanto isso,
temas que deveriam refletir o nosso tempo e os nossos costumes, como o
Carnaval, o futebol, e outros tantos, não constam da maioria dos livros, tanto
de autores nacionais, quanto dos internacionais. Não faltam, diga-se de
passagem, bons escritores no País. Ocorre que nem todos têm dinheiro para
bancar as próprias edições. E os que o
fazem, terminam, invariavelmente, com "o mico na mão", com enormes
encalhes, já que não contam com recursos, e nem sequer com informações de como
proceder para divulgação e distribuição
das suas obras.
O que há é absoluta falta de arrojo (ou
até mesmo de visão editorial) das editoras, que relutam, ou se negam, a apostar
nos novos talentos, embora, do ponto de vista econômico, a publicação de tais
livros implique, de fato, em riscos. Quem perde com isso é o público e,
principalmente, a cultura brasileira. Perpetua-se, dessa forma, também na
literatura, uma espécie de colonialismo. Lamentável...
Boa
leitura.
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O encalhe é o início da decepção pelo alto investimento.
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