A verdadeira normalidade
“O gênio, o crime e a loucura provêm, por igual, de uma
anormalidade. Representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio”.
O autor dessa declaração é o poeta português Fernando Pessoa. E, convenhamos,
ele pode ter sido tudo, menos “normal”, pelos padrões de comportamento aceitos
no seu tempo que, ademais, são os mesmos vigentes ainda hoje. Ostentou essa
condição, sobretudo, por seu perfil psicológico. Não estou afirmando que a “anormalidade”
do escritor fosse qualquer psicopatologia, embora apresentasse determinados
procedimentos que possibilitavam esse tipo de suspeita, senão conclusão. Tinha,
sim, um que de “loucura”, mas no sentido metafórico, no popular, no de quem age
de forma diferente da maioria.
Prefiro caracterizar a personalidade e as ações de Fernando
Pessoa como manifestações de “genialidade”. Sua obra e sua inventividade (sobretudo
a criação dos heterônimos, cada qual com seu estilo distinto, como se fossem “muitos”
poetas, em vez de um único, ou seja, ele) permitem que seja classificado como “gênio”,
que de fato foi. Não se tratou de algo normal. Aliás, põe anormalidade nisso!!!
Não conheço nenhum escritor que sequer se aproximasse desse seu procedimento.
Há quem veja na criação dos heterônimos sintomas de dupla personalidade. Tolice!
Foi genialidade pura! Foi sacada inigualável! Aliás, se tivesse, mesmo, esse
desvio psicológico, ele não poderia ser chamado de “dupla personalidade”, já
que os heterônimos que criou foram pelo menos doze (suspeita-se que tenham
chegado ou se aproximado dos vinte).
A “normalidade” que aqui se questiona, esclareço, não é a da
sanidade mental e comportamental. É a do conformismo. É a da falta de
iniciativa. É a do comodismo e da recusa de tentar coisas novas, com receio de
fracassar. É a de pensar e agir rigorosamente como a sociedade espera e prevê,
mesmo que incorrendo em erros que caracteriza a imensa maioria das pessoas.
Para mim, isto nem é normal. Mas é o padrão geralmente aceito no meio social.
Que seja! É a essa “normalidade” (que deve ser grafada, sempre, entre aspas)
que me oponho e que tanta gente muito mais habilitada do que eu se opõe.
O psicólogo austríaco, Alfred Adler, fundador da “psicologia
do desenvolvimento”, por exemplo, põe em dúvida que ela sequer exista. Pincei,
entre seus escritos, esta declaração: “As únicas pessoas normais são aquelas
que você não conhece bem”. Ou seja, no seu entender (e no meu), basta
conhecê-las para detectar nelas qualquer tipo de anormalidade. O escritor
Aldous Huxley segue nessa mesma linha. O autor de “Admirável mundo novo”
escreveu: “A normalidade é tão somente questão de estatística”. Já o psiquiatra
e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung, vê, no sujeito “normal” (pelos
critérios que citei acima) um fracassado. Vislumbra alguém sem coragem e
disposição em se arriscar na luta por alguma causa justa e nobre, por razões
que sequer conseguiria explicar. Afirmou: “Ser ‘normal’ é o ideal dos que não
têm êxito, de todos os que se encontram abaixo do nível geral de adaptação”.
Mas não foram, apenas, especialistas no estudo da mente
humana que se manifestaram contrários a esse tipo de “normalidade”, que, no meu
critério de avaliação, é o suprassumo da anormalidade. O ex-Beatle John Lennon
(anormalíssimo em seu comportamento, quer no sentido positivo, da rebeldia e de
criatividade, quer no negativo, sobretudo por sua apologia às drogas),
manifestou-se desta forma a propósito: “Eu tenho um grande medo dessa coisa de
ser ‘normal’”. Já o poeta português, Miguel Torga, escreveu: “Até que ponto é o
artista um anormal, não sei nem quero saber. A anormalidade nunca me meteu
medo, se é criadora. Agora até que ponto o homem normal combate o artista e o
quer destruir, já me interessa. A normalidade causou-me sempre um grande pavor,
exatamente porque é destruidora”. A do tipo que citei, também me apavora.
Caso nossos remotos ancestrais fossem todos conformados com
o ambiente hostil em que viviam nos primórdios da pré-história, se fossem
acomodados à espera que a natureza provesse todas suas necessidades, se não
houvesse rebeldes criativos e inconformados entre eles que tentassem, com seus
próprios meios, aprender a fazer fogo, construir habitações seguras e
confortáveis, domesticar e criar animais, cultivar a terra para produzir plantas
comestíveis para garantir a alimentação, o homem ainda estaria nas cavernas,
exclusivamente á mercê do Deus dará. Defendo a normalidade, sim, mas a
notoriamente positiva (e óbvia). A do respeito irrestrito às leis (se justas e
universais, válidas rigorosamente para todos, sem exceções) e às normas da boa convivência,
sadia e harmoniosa. A da moral e da ética, não fazendo ao próximo o que não
queremos que nos façam. A da bondade, do respeito, da solidariedade e da
justiça. Isto, para mim, é ser normal e virtuoso de fato. O mais...
Boa leitura.
O Editor.
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A rebeldia afirmativa, propositiva vista como anormal só pode ser boa. É senso comum. Quanto ao que destrói, deveria ser condenada. Outro dia você perguntava se havia limites para a maldade humana, Pedro, e supus que fosse ilimitada. Hoje ficamos sabendo ( com direito a vídeo) que os Líderes do Estado Islâmico queimaram vivo o piloto jordaniano. Em contrapartida, a mulher que estava sendo negociada foi enforcada. Esses humanos!
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