Amorecos
* Por
Marcelo Sguassábia
I
- Me dá um trago, vai.
- Ué, não é você que
ontem mesmo disse que ia parar de fumar?
- Hum, olha quem fala.
Você parou, por acaso?
- Mas também não
prometi nada. Eu prometo coisas que posso cumprir. Esse céu lindo, por exemplo,
esse veludo azul com respingos de prata...
- Nossa, baixou o
Olavo Bilac?
- Então, esse céu aí
que nem em Shangri-lá se vê assim. Eu seqüestraria agora e decalcaria nos seus
seios, se você mandasse eu estaria disposto.
- Então traz.
- Eu disse que estaria
disposto. Futuro do pretérito. Agora não estou.
- Ah.
II
- Só eu mesmo, uma
tonta, tão pouco voluntariosa, sem amor-próprio nem coisa melhor pra fazer em
casa, tão minimamente exigente, pra vir torcer por você num inter-clubes de
peteca às 4 da tarde de sábado.
- O amor é lindo,
honey.
- É lindo e bobo,
besta, mentecapto, retardado, autista, acéfalo. Tenha dó, até fazer xixi é mais
emocionante que isso.
- E depois daqui? E
sua quedinha por esportistas ofegantes? E esse meu fogo todo, aquecido pelo
jogo? Que me diz?
- Sei, sei. Quero ver
se essa peteca você vai deixar cair...
- Isso é uma ameaça?
- Não. Uma esperança.
III
- Ai, como eu detesto
quando você faz isso.
- O quê? Mexer a
bebida com o dedo? Très chic, tolinha. Isso é absolutamente in, se é que você
me entende. Vai se instruir nos manuais de etiqueta da Glorinha Kalil pra
depois implicar comigo.
- Deselegante,
convencido, animal bruto. Devia ter deixado você lá, correndo atrás de peteca
com seus amigos gordos.
- É. Pena que você não
resistiu ao papai aqui.
(plof)
- Mas o que é isso?
Hein, o que é isso? Nunca imaginei que alguém teria coragem de me jogar um
absorvente usado na cara!!!
- E eu jamais sonhei em
ter que me contentar com o 16º colocado num inter-clubes de peteca. Prefiro ir
pra cama com a própria peteca.
- Fique à vontade. Tá
dentro do guarda-roupa.
- Sim. Como os amantes
esperando a saída dos maridos cornos.
IV
- Pensa que é fácil,
no melhor da história aquele cheiro de cebola na sua mão?
- E pensa que é
gostoso meia dura de chulé, pasta sem tampa, jornal jogado?
- Prometo que mudo.
- Ah, tá. Do mesmo
jeito que prometeu decalcar o céu nos meus seios. Duvido que mude...
- Você não entendeu.
Quando eu falo em mudar, é mudar daqui.
V
- Olha o tempo que
você tá aí lixando essa unha. Se vocês mulheres soubessem da tara dos homens
por unha lixada...
- Você pode não
reparar, mas há quem dê valor. Ô se há.
- Em unha lixada?
- Em unha lixada.
- Quem por exemplo?
- Use seu poder de
dedução.
- Reticente e
misteriosa. Não deixa no ar, não. Começou, agora conclui. Quem?
- Preocupadinho, bem?
- Tsc, tsc. Aliviado.
Pra reparar na unha, não deve ser lá muito homem...
- Nem jogador de
peteca.
- Ah, vai pr’aquele
lugar, vai!
- Já estou nele. Faz
tempo.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Palmas entusiásticas, pois, considerando meu humor de luto, e em pleno calor, meio invernal, dei muitos sorrisos e até uma gargalhada. Nota mil para você em originalidade.
ResponderExcluir