quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Um dia por vez I

 * Por Pedro J. Bondaczuk


O segredo de uma vida equilibrada, sem traumas e sem dramaticidade, é viver um dia por vez. Pelo menos é o que dizem os filósofos. Se praticam ou não o que falam são outros quinhentos. É fácil passar receitas de bem-viver aos outros. Complicado é administrar nossa própria realidade, nossos fracassos, nossos retrocessos e nossos sonhos delirantes.

O escritor Gilberto Amado, por exemplo, num excelente livro de ensaios intitulado "A Chave de Salomão e outros escritos", destaca: "Quanto mais capaz de esquecer é um homem, mais feliz é ele. Pode assim pôr maior intensidade no momento que passa".

Mas até onde vai a capacidade humana do esquecimento? Alguém é realmente capaz de controlar suas lembranças? Ou suas ambições? Ou seus desejos? Tenho sérias dúvidas a respeito. Claro que há os exagerados. Há os que misturam a nostalgia do passado às angústias despertadas pelo que ainda não aconteceu (e pode sequer ocorrer) nessa abstração que denominamos de futuro.

Há lembranças e lembranças. Ou seja, há coisas dignas de recordar, por terem nos dado enorme prazer e há o que é uma bênção esquecer. Quando se consegue, evidentemente. O questionável é se temos a capacidade de fazer essa seleção prévia.

O mesmo Gilberto Amado afirma: "Às vezes, a recordação é também um prazer, e o passado colabora nas alegrias presentes, mas quase sempre o passado traz nas suas águas o veneno". Qual o antídoto? Bem, de todas as pessoas que há no mundo, talvez eu seja o indivíduo menos indicado para dar receitas de bem-viver.

Sou rematado trapalhão, aferrado aos meus valores, dotado de uma teimosia de asno. Creio que a melhor forma de evitar sofrimentos inúteis é viver intensamente cada momento. Preencher, o máximo possível, com idéias construtivas e com ações positivas, segundo por segundo do tempo em que estivermos despertos, sem preocupações com os resultados. Claro que falar é mais fácil do que fazer. Será  que alguém é capaz disso? Eu não sou!

Aristóteles já dizia, nos primórdios da civilização ocidental: "Jamais a alma humana pensa sem fantasma". Seria ruim essa maneira de raciocinar? Seria boa? Seria pelo menos inteligente? Quem pode dizer com certeza?

Para William Shakespeare, essa projeção da vontade num tempo potencial é característica inerente ao homem. Mesmo que ele não queira ou não admita, é a forma com que de fato procede. Até o mais miserável dos miseráveis acalenta algumas recordações que lhe são preciosas ou lhe trazem amargura. E nutre, embora não pareça, esperanças.

Não fosse assim, não haveria tanta gente recorrendo ao álcool e outras drogas na vã tentativa de apagar teimosas lembranças. "Os homens são feitos da mesma substância que os seus sonhos", sentenciou o bardo inglês. E ninguém sonha com o passado, imutável e impossível de resgatar. Projeta suas ansiedades no futuro, que é mero "poder-ser".

Para encerrar estas divagações sem rumo, tomo a liberdade de reproduzir o poema "Dimensões", de Sólon Borges dos Reis, extraído de seu livro "Carrossel do Tempo":

“Em que direção
seria necessário olhar,
se eu quisesse demandar o futuro?
Os dias que hão de vir,
se eu quisesse perscrutar,
em que rumo precisaria caminhar?

Se eu erguesse os olhos para o alto,
poderia encarar o itinerário
dos dias do futuro?
Ou para frente deveria olhar?

O passado, onde fica, onde está colocado?
Para buscá-lo seria certo olhar abaixo?
Ou procurar o que ficou atrás?

Há dimensões no tempo, com certeza,
em que se localiza tudo?

Um lugar ‚ reservado ao que há de ser?
E onde se situa o que já foi?
Tudo tem, por certo, o seu lugar seguro...

O que passou, já foi, reside no passado,
o que ainda não é germina no futuro...
Mas, e o que foi apenas desejado,
o que poderia ter sido, foi sonhado,
mas, não foi, não é e não será,
poderia ter sido, onde é que está?".

Boa pergunta poeta...



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk  

Um comentário:

  1. O que foi desejado e não aconteceu está no mesmo lugar dos sonhos: nos neurônios.

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