O rei da sarjeta
* Por
Marcelo Sguassábia
"Eu vou tirar você
da sarjeta". Felizmente, quis o destino que ninguém dissesse isso quando
ele era um zé ninguém. O que a princípio soaria como uma ação redentora e
beneficente, no caso dele seria uma maldição. O infeliz que fizesse isso privaria o mundo da oportunidade de
testemunhar a saga de um dos mais bem-sucedidos empreendedores de que se tem
notícia. Um homem que fez história com o suor de seu rosto e a originalidade de
suas sinapses, cantadas em verso e prosa até mesmo em nossa literatura de cordel.
Claro, o começo foi
duro. Da acanhada garagem da casa de seu tio, que limitava a produção a
ridículos 11 metros de sarjeta/dia,
Eustáquio passou para uma pista desativada de kart indoor, localizada na zona
norte de Barbacena. Dali saíam ao menos 23.600 metros diários de suas vistosas
e bem afamadas sarjetas, de variados acabamentos e tamanhos, para os mercados
interno e externo. Isso em tempos de vacas magras.
O crescimento
vertiginoso, no entanto, se deu com o lançamento da Mult Kolours, a linha de sarjetas
coloridas - lampejo que lhe veio à mente em meio a um delírio febril de
caxumba. Com ela, Eustáquio punha fim à ditadura do cinza nas nossas vias de
pedestres. Sarjetas pink, verde-limão e azul-calcinha tomaram de assalto a
paisagem urbana, fazendo despencar as estatísticas de suicídio junto à
população e elevando-as entre os psicanalistas, psiquiatras e pastores
messiânicos.
Depois veio a sarjeta
esponja, lançamento com dupla função: absorver água da chuva em situações de
enchente e evitar danos às rodas e calotas dos carros nas manobras de baliza.
Dois anos após esse retumbante sucesso, a consagração internacional: Eustáquio
vencia acirrada concorrência para a renovação dos seis quilômetros de sarjetas
da célebre Avenida Champs- Élysées.
Não há como calcular ao
certo o quanto o nosso rei faturou com um aplicativo recentemente lançado, com
o nome de write rihgt. Com ele, o usuário recebe alertas, de dez a doze vezes
ao dia, lembrando que sarjeta se escreve com j, e não com g. Levando-se em
conta a frequência que o cidadão médio se vê forçado a escrever essa palavra, e
a dúvida ortográfica que surge a cada vez que tem de fazê-lo, é claro que o
programinha nasceu fadado ao sucesso - e chega à versão 4.2 com a exclusiva
função do aviso de grafia em painéis de autorrádio.
Agora, o próximo
desafio, já nas mãos da equipe de
engenharia de produto: a sarjeta falante, equipada de fábrica com dispositivos
sonoros para alertar os pedestres cegos e daltônicos quando da mudança do sinal
verde para o vermelho, e vice-versa. Mais de 400 municípios brasileiros já demonstraram interesse pelo
invento, que certamente alargará ainda mais as fronteiras do já extenso império
de Eustáquio.
*
Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Entre outras serventias, aprender a escrever sarjeta, não tem preço.
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