terça-feira, 30 de setembro de 2014

As perdas e ganhos de quem é amor da cabeça aos pés

* Por Evelyne Furtado

Desde que nascemos passamos por perdas. Perdemos o aconchego do útero. Perdemos a proteção materna. Nós meninas vivemos o Complexo de Electra e os meninos os transtornos edipianos, segundo Freud. São as perdas necessárias, discutidas de forma competente e bela pela psicanalista Judith Viorst.

Sempre tive medo de perder, principalmente as pessoas que amo. Quando criança meu terror maior era a morte dos meus pais. E meu pai nos deixou quando eu tinha 25 anos. Nem preciso dizer que a dor foi lacerante, mas hoje eu o trago em mim.

Sofri um processo doloroso de separação 10 anos após. Perdi não só o marido, mas o namorado de adolescência e todas as idealizações românticas construídas durantes anos. Passei, então, a ter horror a perder o carinho de alguém.

Temia tanto a realidade que quando esta se tornava impossível de não ser vista, meu mundo perdia a cor. Sentia-me traída, usada, amputada no que eu tinha de melhor: a afetuosidade e a lealdade.

Porém, esse relato depressivo tem o sentido de mostrar que reagi e sobrevivi a todas essas perdas. Atravessei surtos de ansiedades, compulsão alimentar, chorei cachoeiras, vi minha auto-estima nos pés e meus sonhos viraram pó.

Pois bem, caí e levantei algumas vezes. Não sem raiva, não sem mágoa, não sem constrangimentos, não sem dor. Busquei e tive apoio, além da ajuda especializada.

Mas o melhor disso tudo é que todas as perdas vividas trouxeram-me um ganho em seu bojo. Só não vejo bem o que ganhei com a morte do meu pai.Quanto às demais sei exatamente o que ganhei.

Com o fim do casamento veio o amadurecimento, uma maior comprennsão da vida, experiência e, por mais incrível que possa parecer, harmonia familiar, pois criamos, eu e meu ex-marido, uma filha saudável, responsável, amada e feliz.

Perdi outros afetos. Perdi lindos sonhos de amor. Bebi ilusão e vivi disso por muito tempo. Amei muito e igualmente sofri.

Rompimentos amorosos me deprimem. O medo da solidão me paralisa. Porém saber que posso sobreviver à perda do parceiro idealizado por mim, reforça a minha fé na vida.

Eu poderia dizer que virei mulher e deixei de ser menina, mas o processo ainda não terminou. Continuo amadurecendo.Às vezes sou um mulherão, em outras uma menina mimada.

E o melhor de tudo: começo a perceber claramente que ao me relacionar com o outro passo a me conhecer melhor. Sei mais hoje sobre os meus limites, do que sabia antes. Sei até onde posso fazer concessões. Não me envergonho de chorar por amor, porém discordo com convicção quando a proposta vai além da minha vontade.

A solidão me ronda, mas não me assusta como antes. Vou juntar tudo de bom que vivi. Lembrar de cada "eu te amo" que ouvi e que falei (adoro falar), de cada beijo, de cada encontro, de cada olhar, de cada vez que vibrei de prazer e de paixão.

No mais, continuarei romântica e tenho certeza de que como toda mulher “mereço rosas, rosas, rosas...", como canta Ana Carolina, pois ainda "sou amor da cabeça aos pés".


* Poetisa e cronista de Natal/RN

2 comentários:

  1. Apaixonada pela paixão, dá para perceber que você é assim. E esse é um grande sentimento, para subir e para despencar. Ainda assim, melhor sofrê-lo, que não tê-lo. E viva esse amor desvairado. Aprecio isso e o seu jeito de contar, Evelyne.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom, Evelyne. Do amor próprio, que é absoluto, se abre para a vida e para a esperança. Perdeu os trunfos, mas vem vencendo o jogo da vida.
    Parabéns!

    ResponderExcluir