Bom senso sobra, pois quase todos acham
que têm
* Por Mara Narciso
Já vai longe o tempo em que começaram a
postar comida nas redes sociais. Se por um lado a propaganda vende a partir do
momento em que estimula a inveja, a exposição do privado em espaço público tem
o mesmo objetivo. Piada: o tubarão vai comer o banhista, mas, de boca aberta,
interrompe o gesto, e, subitamente de câmera na mão, diz –“ Vou fotografar meu
almoço para colocar no Facebook”.
Na sociedade nem sempre fraterna da
internet, vai-se seguindo o feed de notícias (página inicial), lendo, saltando,
vendo vídeos que se abrem sem precisar mandar, num conteúdo que vai se
modificando de um extremo a outro. Circulam bom-gosto e mau-gosto, postagens
cultas, erros ortográficos, fotos variadas, crianças, viagens, aniversários.
Tem piadas, foto de placas curiosas, quadros com versos de autorias
questionáveis, coisas do bem e do mal (links maliciosos com possibilidade de
vírus). A profusão das postagens vem tão veloz que não dá tempo de se ver.
Curtir significa que viu, e nem sempre
que leu, como também não indica que a pessoa concorde. Uma coisa leva à outra.
Pode-se sair do site, ir a jornais ou portais, revistas e documentários, às
vezes longos e, de tão interessantes, sugam e escravizam. É impossível não ver
até o final. A mania de postar sem parar, junto à linha do tempo interminável,
faz com que as pessoas mal percebam que ficam pulando daqui e dali, em leituras
e visões sem fim. Quando se assustam, já se passaram horas. Caso saia do site,
mas deixando a página aberta, um barulho avisa que seus contatos estão
comentando postagens já comentadas por ela.
O limite de armazenamento nunca será
alcançado. As postagens mais interessantes tornam-se virais e são vistas por
milhares, até milhões de internautas. Há sites especializados em produzir conteúdo
para as redes sociais. São charges, piadas, fotos engraçadas, vídeos e textos
curtos. Como tudo é acelerado, quem posta muito pode não ser visto, nem lido.
Fotos de pessoas degoladas surgem de
repente, e às vezes nem dá tempo de desviar o olhar. Quando há um acidente,
logo as imagens estarão no ar. Quando alguém se sente incomodado, agredido,
desrespeitado por uma imagem ou texto, denuncia aos dirigentes e, caso seja uma
agressão moderada, o autor pode ser convidado a mudar foto ou abordagem. Se a
agressão for grave, especialmente para quem é reincidente, será suspenso,
ficando no estaleiro por no mínimo um mês. Esta foi a maneira encontrada, no
caso do Facebook, para tentar domar a incontrolável multidão de intrépidos
usuários, que trocam informações, elogios e xingamentos em verdadeiras guerras
textuais. A rede de contatos de cada um, que pode atingir o número de 5 mil,
modula parte da confusão.
Muitas e superficiais amizades
acontecem, enquanto outras se despedaçam especialmente em período eleitoral, em
que, mais do que durante o Campeonato Nacional de Futebol, quando os insultos
se fazem muito presentes. Há quem ache que apenas sua opinião possa existir, e,
acredite, agride de forma não civilizada (estúpida mesmo), quem pensa diferente
dele. Casos de injúria racial, intolerância religiosa, preconceito de classe
social e de gênero, além de agressões aos velhos e gordos, acontecem naquela
mini sociedade constituída. Tudo que ocorre aqui fora, tem lá dentro, como
bullying, assédio moral e sexual. Conversas atravessadas podem aparecer inbox
(fechadas aos outros usuários).
Quem usa a rede sabe de tudo isso, pois
é fácil observar. Pode-se, a grosso modo, criar uma personalidade, e a foto do
perfil ser tão boa, em relação à realidade, que na rua não se consegue
identificar os contatos. Sem contar os perfis falsos, os fakes. Pessoas mal
intencionadas pedem amizade para invadir, insultar, agredir. É preciso deletar
e bloquear. Há os vendedores, os políticos, os religiosos e outras correntes
que querem impor ideias. As propagandas são outra invasão dominante, santinhos
de políticos, e ofertas de “curtidas” e “compartilhamentos” a baixo preço.
Entre as postagens esdrúxulas, soube de
um filho que postou a foto do pai morto no caixão, e um monte de gente curtiu e
comentou, só não sei se compartilhou. Um pai postou a foto da filha de 13 anos
com os irmãos, e atrás dela alguns absorventes higiênicos, e a informação de
que a menina tinha menstruado pela primeira vez.
A superexposição está na ordem do dia.
Quem tem mostra e quem não tem mostra também. Conselhos? Poucos os querem. A
liberdade é total, exceto pela autocensura. E cada um vai se mostrando mais e
mais, falando que o outro é que deveria ter um pouco mais de discrição.
*Médica endocrinologista,
jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Pois é, Mara, e sabe-se lá onde tudo isso vai parar. A impressão que me dá dessa geléia geral é que uma hora a coisa vai explodir, algo muito fora do controle vai acontecer. De novo, parabéns pela lucidez da análise.
ResponderExcluirNem mencionei o vício, doença da qual já tenho em bom grau. Também me exponho, e julguei os outros, preconceituosamente do meu ponto de vista de que há um excesso. Verdade, Marcelo. Onde chegaremos? Obrigada por comentar!
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