Tarde demais
* Por Daniel Santos
O trem chegou quase de madrugada
trazendo todos eles, e eram mais de trezentos! Vieram famílias inteiras com
seus velhos e crianças, muitos sem agasalhos, que os soldados pegaram-nos em
casa de surpresa.
Ou nem tanta surpresa assim, pois
há tempos sabiam: estava por pouco. Meses antes, por exemplo, houve quem
percebesse carros da polícia seguindo-os discretamente pelas ruas. Datam daí os
primeiros seqüestros.
A imprensa omitia notas sobre
suicídios para evitar a generalização de um desespero que mal se continha.
Natural, portanto, que se rebelassem, mas desperdiçaram tempo em discussões e
sequer esboçaram um levante.
Os bancos suspenderam o crédito,
dias depois cerraram as portas. Rareava o abastecimento dos mercados e, aí,
todos começaram a se entreolhar com uma apreensão que rápido evoluiu à angústia
coletiva.
Estava feito. Na impossibilidade
da fuga, deixaram-se apanhar fácil. Lá
se fora a oportunidade da revolta! Então, arriados de arrependimento, mais que
de medo, tiraram as boinas enquanto os soldados faziam mira.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de
"O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio
de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha
imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma
gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma
negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de
conclusão, em 2001.
Triste resumo de um genocídio.
ResponderExcluir