Jornal Nacional ou Jornal Eleitoral?
* Por
Urariano Mota
Eu já havia notado que
o Jornal Nacional reflete um mundo que é
desmontado entre caras e bocas, em dramatização de telenovelas. Nele se chega
ao ponto de uso de trilhas sonoras, como todos devem lembrar das imagens
editadas dos desastres e tragédias de aviões. Planos, tomadas, cortes, luzes, a
revolta dos passageiros, a indignação dos parentes, uma teledramaturgia do
horror.
Se assim é, “em dias
normais”, e dias normais é frase entre aspas, porque uma edição do JN é um
capítulo de telenovela, imaginem em dias de campanha eleitoral, a fase da vida
brasileira onde todos os crimes são possíveis e todas as canalhices se perdoam.
Para não pensarem que falo em tese, com ideias gerais, difamatórias, quero
dizer, de denúncia, para usar uma chamada típica do Jornal Nacional, tomo por
exemplo a edição de ontem, quinta-feira 11 de setembro de 2014. Olhem, a escalada das manchetes era um
programa eleitoral da oposição Marina Silva ou Aécio Neves. Com aquela vinheta
musical que é anúncio de tragédias, em crescendo. Para quem é de Pernambuco,
lembrava mais as manchetes policiais do Repórter Bandeira 2. E atenção! Bumbo e
bomba sobre o último cadáver.
Olhem, ontem só
escapava a camada de Ozônio, cujo buraco parou de crescer. Mas esse é fora do
Brasil, daí o caráter positivo. Se fosse no governo Dilma, seria anunciado: o
buraco continua. Mas vamos a algumas notícias montadas para o guia eleitoral
antes do horário da propaganda gratuita.
Assim falou Patricia
Poeta, que não se perde na ironia do nome, poeta, poesia, para o que faz. Mas
assim falava Patricia, a poeta:
“Economia cria 101 mil
empregos com carteira assinada
Em agosto, a economia
brasileira criou 101 mil empregos com carteira assinada. Isto significa 20,5%
menos que em agosto do ano passado. Os dados são do Ministério do Trabalho”.
Mas no jornal GGN, e
Luis Nassif Online, vinha a mesma notícia:
- “O mês de agosto registrou a criação de 101.425 postos formais de
trabalho no Brasil, o que representa um crescimento de 0,25% no estoque de
assalariados com carteira assinada em relação ao mês anterior, segundo dados do
Cadastro Geral de Empregados e Desepregados (Caged), divulgado pelo Ministério
do Trabalho.
O resultado apurado é
decorrente de um total de 1,748 milhão de admissões durante o período de
pesquisa, ante as 1,647 milhão de demissões registradas no mês. Conforme dados
do ministério, este é o melhor resultado dos últimos três meses.
Na série ajustada, que
incorpora as informações declaradas fora do prazo, os dados no acumulado do ano
mostram um acréscimo de 751.456 empregos, o que representa um acréscimo de
1,85%. Ainda na série com ajustes, nos últimos 12 meses verificou-se a criação
de 698.475 postos de trabalho, equivalente à expansão de 1,72% no contingente
de empregados celetistas do país. Entre janeiro de 2011 e agosto de 2014, foram
gerados 5,631 milhões de empregos”.
Viram a diferença entre
informar e buscar o que de ruim existe no positivo da criação de empregos,
enquanto a Europa fecha os famosos postos de trabalho? Aqui, não existe mais a
imagem de copo meio cheio e copo meio vazio. Para o Jornal Nacional, em tempos
de eleições, o copo sempre é todo vazio. Mas vamos adiante.
No JN de 11 de
setembro: “Vendas no comércio em julho foram as mais baixas desde 2008
Em julho, número
divulgado nesta quinta (11), as vendas no varejo caíram 1,1% comparadas com o
mês anterior, que já tinha registrado um recuo.
As vendas no comércio
brasileiro tiveram em julho o pior resultado desde 2008, quando começou a crise
financeira nos Estados Unidos e se espalhou pelo planeta. A maior queda veio
dos chamados bens duráveis, como móveis e eletrodomésticos.... Em julho, número
divulgado nesta quinta-feira (11), as vendas no varejo caíram 1,1% comparadas
com o mês anterior, que já tinha registrado um recuo. E as vendas do comércio
vêm caindo desde março”...........
Mas em outras fontes,
na web que resiste::
“Entre os setores com
resultado negativos, estão supermercados, móveis e eletrodomésticos. IBGE vê
influência do crédito menor e de feriados decorrentes da Copa....”.
No Jornal Nacional, foi
retirada da edição uma das causas: os feriados durante a Copa em julho. Mas se
o problema é mostrar o copo todo vazio, para que adianta lembrar o que já
passou e é favorável ao governo? Mas não esmoreçamos, quem sabe se na próxima
notícia a coisa não piora?
No JN de 11 de
setembro:
“Relatório do TCU
indica distorções nos dados oficiais do Bolsa Família
Ministério do
Desenvolvimento Social divulgou nota em que afirma que o relatório partiu de
premissas erradas e chegou a conclusões equivocadas.
Um relatório do
Tribunal de Contas da União indicou distorções nos dados oficiais do programa
Bolsa Família. O governo nega.....
O Tribunal de Contas da
União fiscalizou durante mais de um ano os números do principal programa de
assistência social do Governo Federal, o Bolsa Família, pago a quase 14 milhões
de pessoas. O tribunal critica a falta de atualização dos parâmetros usados
para definir pobres e miseráveis.
Para o governo, é
considerado miserável quem tem renda individual inferior a R$ 77 por mês. E
pobre, quem ganha de R$ 77 a R$154 por mês....
Para chegar a esses
números, o governo usa uma recomendação da ONU. Considera o gasto de US$ 1,25
por pessoa por dia com base no poder de compra.
Mas o TCU aplicou esses
mesmos indicadores e concluiu que os valores que definem a linha da pobreza
estão desatualizados. Segundo simulação do tribunal, as rendas para apontar
quem teria direito ao Bolsa Família seriam de R$ 100 e R$ 200.
Segundo o relatório
aprovado pelo plenário do TCU, essa diferença pode alterar o número de pessoas
que saíram da linha de pobreza, graças ao Bolsa Família. O governo diz que são
36 milhões.
O tribunal não faz uma
nova estimativa de quantas pessoas teriam saído da linha da pobreza se o
cálculo fosse outro. Mas faz recomendações. Entre elas, que o governo mantenha
atualizado o valor para definir linha de pobreza, seguindo o parâmetro
internacional.
O TCU comparou os
gastos com o programa. Em 2013, foram quase R$ 25 bilhões. Desde 2004, o valor
gasto cresceu em média 23% ao ano. Para o relator, o governo precisa criar
indicadores que permitam acompanhar os beneficiários que deixam o programa.
‘Há riscos que precisam
ser cuidados para que esse programa possa ter sustentabilidade no futuro. Nós
não podemos pensar apenas no hoje, temos que pensar também no futuro dessas
pessoas’, afirma Augusto Sherman, ministro do TCU.
O Ministério do
Desenvolvimento Social divulgou uma nota em que afirma que o relatório do TCU
partiu de premissas erradas e chegou a conclusões equivocadas. Segundo o
ministério, o texto revela ignorância dos técnicos sobre os critérios
internacionais de mensuração de pobreza, desconhecimento da legislação e erros
de cronologia.
Só no fim, no finzinho,
vem a avaliação do Ministério, que para o telespectador é só adjetivo,
avaliaçãozinha mentirosa.
No entanto, o
Ministério do Desenvolvimento Social declarou em nota:
“O texto do TCU conclui
que os dados de extrema pobreza podem estar distorcidos em virtude da não
atualização da linha de extrema pobreza desde 2009. A linha somente foi
instituída por decreto presidencial nº 7.492, em 2 de junho de 2011. Não há,
portanto, como se falar em correção desde 2009.
O valor de R$ 70
equivalia em junho de 2011 a US$ 1,25 por dia e foi atualizado para R$ 77, por
intermédio do Decreto nº 8.232, em 2014, o que é compatível com o parâmetro
internacional para classificar a extrema pobreza, paridade do poder de compra.
Com base nesse mesmo
parâmetro, instituições nacionais e internacionais acompanham a trajetória da
redução da extrema pobreza nos diversos países, confirmando os resultados
divulgados pelo governo brasileiro. (Estes dados podem ser verificados, por
exemplo, no sitio eletrônico do Banco Mundial, no endereço
http://iresearch.worldbank.org/PovcalNet/index.htm?2.
Outro estudo recente do
Banco Mundial mostra a queda da pobreza crônica multidimensional no Brasil,
passando de 6,7% para 1,6% entre 2004 e 2012. Isto significa que os esforços de
redução da pobreza não se limitaram à dimensão de renda.
É estranho o
posicionamento político expresso no relatório do TCU às vésperas das eleições
presidenciais, questionando o aumento do gasto em assistência social em 1.220%.
O gasto com assistência social expressa a opção política sustentável deste
governo em investir na população pobre por meio do aumento do Programa Bolsa
Família e dos investimentos em serviços e benefícios de assistência social”.
Ao que dizemos nós, é
muito estranho que não se ouça o “outro lado”. Isso não faz parte da cartilha
mais básica de jornalismo? Mas amigos, ontem por fim, teve uma obra-prima da
propaganda antipetista, da imagem subliminar. A notícia:
“Veja como foi a quinta-feira
dos principais candidatos à presidência”
E assim falou o grande
Bonner, o caubói:
“Dilma Roussef diz que
vai aumentar o número de faculdades de medicina
A candidata à reeleição
pelo PT, Dilma Rousseff, passou o dia em Brasília. Ela disse que vai aumentar o
número de faculdades de medicina.
Um grupo de reitores de
universidades federais entregou um manifesto de apoio à candidata Dilma
Rousseff, no Palácio da Alvorada. O documento é assinado por 54 reitores. Eles
destacaram o esforço pela aprovação dos royalties do Pré-Sal para a educação.
No fim da tarde, Dilma
Rousseff recebeu os jornalistas para uma entrevista e falou sobre pontos do seu
programa de governo.
A candidata disse que
vai ampliar o programa Mais Médicos que pretende aumentar o número de cursos de
medicina no país.
‘Com os reitores,
inclusive, eu discuti uma coisa importante nessa área: nós chegamos à conclusão
que para fazer isso a gente precisava criar faculdades de medicina e
interiorizando elas, principalmente nos lugares que têm hospital. Porque você
não forma médico, se não tiver hospital para treinar o médico’, declarou a
candidata.
A candidata não teve
outros compromissos públicos de campanha”.
No final, Dilma é
filmada por trás, pelas costas, caminhando depois de um movimento brusco. Ou
traduzindo a imagem: Dilma é arrogante, Dilma dá as costas para o
telespectador, para o povo. Lindo, de uma beleza que paga o apartamento
comprado por Patricia Poeta, 23 milhões. Ah, invejosos, vocês não sabem o que é
uma obra-prima de propaganda política no jornalismo.
Em resumo: o Jornal
Nacional é uma peça política sempre. Na fase eleitoral, um instrumento de
propaganda para a oposição, fora do horário eleitoral gratuito.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife” e
“Dicionário amoroso de Recife”. Tem
inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
Eu não vi o JN deste dia, mas gostei do relatório.
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