sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Escritor à frente do seu tempo

O francês Júlio Verne (ou Jules Verne, como de fato se chamava) é presença obrigatória sempre que se faça qualquer relação dos mais importantes escritores de ficção científica. Nem todos os seus livros foram desse gênero, embora os que seguiram essa linha sejam os mais lidos, apreciados e de maior sucesso. Sua bibliografia é extensa (posto que seja cinco vezes menor que a de Isaac Asimov, que publicou incríveis 509 títulos). Ascende a pelo menos uma centena de romances. Todavia, Júlio Verne detém primazia sobre qualquer outro escritor, de qualquer gênero, no mundo todo. É o mais traduzido de todos os tempos. Seus livros foram publicados em 148 línguas, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Outra das suas primazias, que o fizeram tão popular 109 anos após sua morte (morreu em 24 de março de 1905, aos 77 anos de idade, na cidade de Amiens) foi a quantidade de seus livros transposta para o cinema. Foram, ao todo, 33 deles, que geraram noventa e cinco filmes, muitos dos quais estrondosos sucessos de bilheteria. Isso sem contar as inúmeras adaptações para a televisão, inclusive na forma de desenhos animados, o que o tornou popular entre as crianças. Já escrevi, tempos atrás, a seu respeito. Por isso, há pouca coisa a acrescentar.

A primeira novela de sucesso, de Júlio Verne, foi “Cinco semanas em um balão”, publicada em 1862. Essa história tinha tanta verossimilhança, uma fartura tão grande de detalhes sobre coordenadas geográficas, culturas, animais, comportamentos e tipos de pessoas, que por muitos anos ficou a dúvida, no espírito do leitor, sobre se o livro era de ficção ou relato verídico de uma viagem. Esse é o tipo de estilo que considero desejável a qualquer escritor. Ou seja, com descrições tão detalhadas e assertivas, que deixem esse tipo de dúvida no espírito de quem vier a ler seus textos.

Ocorre que Júlio Verne jamais chegou sequer perto de um balão. Ademais, quando escreveu a novela, nunca havia pisado o solo de qualquer parte da África. O enredo foi, todo ele, fruto de sua fértil imaginação. E, claro, de meticulosa pesquisa, recorrendo a fontes absolutamente confiáveis. Destaque-se que “Cinco semanas em um balão” não tem nada a ver com ficção científica. O curioso é que, o segundo livro que escreveu, “Paris no século XX” (escrito em 1863), foi o último de sua autoria a ser publicado. Veio a público apenas 84 anos após sua morte, em 1989. Isso tem uma explicação, que raramente é mencionada.

Ocorre que o conteúdo dessa produção foi considerado sumamente pessimista e, mais: depressivo. Por causa disso, seu editor (e amigo pessoal) Pierre-Jules Hetzel, um dos principais responsáveis pela brilhante carreira literária que fez, o aconselhou a deixar de lado esse livro. Argumentou que era bastante inferior a “Cinco semanas em um balão” e que, por isso, não agradaria os leitores e talvez prejudicasse, até, seu crescente prestígio. Júlio Verne – não se sabe se concordando ou não com o amigo – decidiu não publicar esse romance, sem se desfazer, contudo, do manuscrito, que guardou em um cofre. Ele foi descoberto quase um século depois, quando finalmente um editor, com grande visão de negócio, resolveu publicá-lo. Afinal, o autor já estava mais do que consagrado e qualquer coisa inédita de sua autoria que viesse a ser encontrada, certamente seria um sucesso (como “Paris no século XX” foi).

O último livro escrito por Júlio Verne e publicado enquanto ele ainda estava vivo foi “O senhor do mundo”, datado de 1904. Embora parte considerável de sua obra nada tenha a ver com ficção científica, foi nesse gênero que se consagrou. Afinal, foi um escritor que sempre esteve à frente do seu tempo. Imaginou inúmeros avanços tecnológicos, que anos depois, acabariam sendo inventados e viabilizados. Um deles foi o submarino nuclear, que “criou” para seu romance “Vinte mil léguas submarinas”, publicado em 1870, quando ainda sequer se cogitava no uso de energia atômica para qualquer fim (pacífico ou não). Batizou-o de “Nautilus”.

Mais de oitenta anos depois, a embarcação que havia imaginado, foi viabilizada. Em julho de 1951, o Congresso norte-americano autorizou a construção do primeiro submarino movido a propulsão nuclear. A construção, a cargo da General Electric, começou em 14 de junho de 1952. E em 21 de janeiro de 1954, a embarcação foi lançada ao mar. Na hora de batizá-la, alguém teve a genial idéia de homenagear seu imaginativo e verdadeiro criador, no caso, Júlio Verne. O submarino nuclear recebeu o nome de “Nautilus”. Ou seja, exatamente o mesmo do que era capitaneado pelo Capitão Nemo, principal personagem do livro do “profético” escritor francês.

Júlio Verne imaginou várias máquinas voadoras, que vieram, de fato, a ser inventadas. Nos últimos anos de vida, escreveu sobre o uso inadequado da tecnologia e os seus impactos sobre o meio ambiente. Aliás, a necessidade da preservação ambiental foi, na ocasião, sua principal preocupação, numa época em que o assunto não passava pela cabeça de quem quer que fosse. Finalmente, não se pode esquecer que ele foi o primeiro a “colocar um homem no nosso satélite natural”, em seu livro “Da terra à Lua”. Esse romance foi publicado em 1865 e 104 anos depois, isso aconteceu, de fato, com a alunissagem de Neil Armstrong, em 20 de julho de 1969.

Boa leitura.


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