sábado, 20 de setembro de 2014

A saudade do que não houve


* Por Donald Malchitzky

Bufê completo, com várias opções de saladas e pratos quentes,  dois tipos de carne grelhada na hora, mais  500 ml de suco natural, tudo por R$ 2,50 é barato, não é?  Só falta saber onde!

A bobagem ilustra bem o desejo da volta da ditadura militar, expresso por bom número de pessoas que sequer viveram aqueles dias cinzentos.  Esclarecendo: o nome  ficou, mas havia muitos militares patriotas que não concordavam com os descalabros.

Essas pessoas não sabem ou não querem saber dos intelectuais, professores, artistas, pesquisadores, estudantes, democratas, opositores, trabalhadores que foram sequestrados, presos, torturados da forma mais vil,  e muitos deles mortos covardemente sem qualquer direito de defesa. Nunca ouviram falar das invasões dos lares, da apreensão de pessoas e de livros julgados “subversivos” pelo idiota de plantão.

Acreditam que a “Redentora” foi uma revolução pacífica e ordeira, sem saber das atrocidades mil cometidas pelos traidores, digo, “vencedores”, e, principalmente, que tudo foi cometido contra pessoas indefesas, sem capacidade de resistência.

Dizem que todos os opositores eram terroristas que esquartejavam criancinhas, pois não sabem que o terrorismo foi uma ação de desespero de um pequeno número de pessoas.  Usam como argumento que comunistas foram treinados em Cuba e na União Soviética, o que é verdade, de novo, para um número ínfimo; mas esquecem dos milhares de “democratas”  treinados nos Estados Unidos, inclusive em táticas de tortura.

“Ah, mas havia segurança”, dizem. Tanto havia que era preciso chamar o ladrão para nos proteger da polícia, como dizia Chico Buarque. Afirmam que não havia corrupção, embora ela fosse quase endêmica, mas ai de quem denunciasse algo. O comércio era proibido de abrir suas portas aos domingos, os postos de gasolina aos sábados e domingos.  A centralização de decisões era tanta, que o ministério chegava a se reunir para determinar o preço das corridas de táxi em centenas de cidades.

As dívidas externa e interna chegaram à estratosfera,  o Brasil estava entre quem pagava as maiores taxas de juros por empréstimos internacionais no mundo e a inflação saiu num galope tal que ficou incontrolável.

Foram muitos os pecados, mas a perseguição a estudantes, não permitindo que entre eles se formassem líderes capazes e aos cientistas, fazendo com que a grande maioria saísse do Brasil, expulsa, fugida, perseguida, é eternamente indesculpável: até hoje não voltamos a criar líderes capazes e confiáveis e, na área científica, o atraso é fenomenal.

Tudo  e muitíssimo mais do que está escrito acima está devidamente documentado, diferentemente do combustível dessa saudade sem nexo.


* Escritor

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