Juiz imparcial
* Por
Mouzar Benedito
A inauguração de um
campo novo no Córrego Cavalo foi muito festiva. Chamaram até um time da cidade
pra jogar lá. Quem ia “bater o piu”, quer dizer, apitar o jogo, era o Ernesto,
que fez um longo discurso antes, dizendo ser imparcial, o que não convenceu
ninguém.
Estava difícil fazer o
time da casa ganhar, o adversário jogava muito melhor. A certa altura, o
baixinho Parafuso pegou a bola na ponta direita, driblou dois zagueiros do
Córrego Cavalo e centrou. O ponta esquerda Luizinho do Lica entrou de cabeça
pelo meio e marcou um gol para o time da cidade, quer dizer, o adversário do
Córrego Cavalo. Gol anulado, claro.
— Nóis é da roça mas
sabe as regras. Ponta esquerda tem que jogar na ponta esquerda, na extrema. O
que é que ocê tava fazendo no lugar do centroavante? — bronqueou o juiz, que
ainda deu falta contra o time da cidade.
Pouco depois, sobrou
uma bola pingando para o centroavante Zé do Gato, que deu um chutaço a gol. O
goleiro do Córrego Cavalo nem viu a cor da bola. Só que o gol não tinha rede e
a bola, a meia altura, bateu de cheio na cara do Zé Soldado, da gloriosa
Polícia Militar, que assistia ao jogo atrás do gol, derrubando-o de costas.
Ernesto, Logicamente, anulou, apitando falta do atacante:
— Desacato a autoridade
— gritou bravo, ameaçando Zé do Gato de expulsão, se ele fizesse isso de novo.
Faltando uns dez
minutos para terminar o jogo, mantido zero a zero até então com muita
dificuldade, finalmente o ataque do Córrego Cavalo chegou à área adversária, mas
o meio Zaqueu tropeçou e caiu na hora de chutar. Pronto! Pênalti, apitou o
Ernesto. Quem foi bater? O próprio Zaqueu? Não!
— Eu apitei pra mim
batê, uai — disse o Ernesto.
Já vestindo a camisa
cedida por um atacante substituído por ele, Ernesto entregou o apito ao seu
compadre Orlando:
— Cumpadre, bate o piu
nesse restinho de jogo que agora eu sô jogador.
Bateu o pênalti e
marcou. Um a zero para o time do Córrego Cavalo, invencível jogando em casa.
Do livro “Memória
vagabunda”.
*
Jornalista
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