Quando o
ter é patológico
* Por Paulo Reims
Fomos
criados, antes de tudo, para ser. É urgente que retomemos esta vocação natural.
Ser gente, ser humano, ser bondade, compaixão e ternura. Até o Criador quis se tornar
gente, e segundo lemos nos Evangelhos, Ele foi gente até ao extremo. Muito bem
se diz: “Ele foi tão humano, que só podia ser divino”. Assim, quanto mais
humanos somos, mais divinos nos tornamos. Quantas vezes já ouvimos esta frase:
“Tal pessoa foi um anjo na minha vida, ou em determinando momento da minha
história”. Esta pessoa, na verdade, cumpriu sua vocação de ser humana e
humanizar.
O próprio
Nazareno buscou ter o necessário para viver com dignidade. Onde quer que
estivesse, mesmo faltando o necessário para si e para os que estavam com ele,
encontrava uma forma de prover. Assim o fez, por exemplo, na multiplicação dos
pães, narrada no Evangelho de João, no capítulo seis. O milagre ali acontecido
decorre certamente da conversão dos corações. No meio daquela multidão que o
seguia, muitas pessoas levavam consigo alguma provisão de alimentos. Ele subiu
ao monte e começou a pregar. Os que tinham alimentos ficaram compungidos em
seus corações e decidiram colocá-los em comum. O Mestre pediu que a multidão se
organizasse em grupos e, assim, receberam dos servidores(as) o necessário para
saciar a fome. Diz a passagem da Escritura que todas as pessoas comeram e ainda
ajuntaram doze cestos cheios de pães.
Este é o
exemplo para uma sociedade que quer e precisa ser democrática, justa, fraterna
e solidária. Quando há partilha, todos têm e não falta para ninguém, e ainda
sobra. Com toda certeza, quanto falta para uns é porque outros têm demais.
A renda
líquida obtida em 2012 pelas 100 pessoas mais ricas do mundo foi de 240 bilhões
de dólares. O valor poderia acabar quatro vezes com a extrema pobreza no
planeta. A conclusão está em um relatório publicado pela ONG britânica Oxfam.
Os números servem como alerta para a intensa e crescente desigualdade social no
mundo.
O texto
foi enviado aos debates do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na
Suíça. A desigualdade no mundo ganhou um painel próprio no encontro.
O
relatório da Oxfam indica que as diferenças entre os países estão diminuindo,
mas a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres, dentro de cada nação,
está crescendo. Essa é a regra na maior parte das nações em desenvolvimento.
Nos
Estados Unidos, a desigualdade social é tão grande que, segundo a revista “The
Economist”, supera a das últimas décadas do século XIX, a chamada “Era Dourada”
do Capitalismo norte-americano. A porcentagem da renda nacional que vai para o
1% mais rico da população dobrou desde 1980, de 10% para 20%. Na União Europeia
não é diferente.
O único
lugar no mundo onde a desigualdade está caindo de forma sistemática é na
América Latina, justamente a região mais desigual do mundo.
Em seu
relatório, a Oxfam pede aos governos para tomarem medidas que, ao menos,
reduzam os níveis atuais de desigualdade social aos de 1990. O texto conclui
dizendo que “a desigualdade social é economicamente ineficiente, politicamente
corrosiva, e socialmente decisiva. Para isso é preciso que os poderosos
entendam os riscos da desigualdade”.
Os
governos, as pessoas mais ricas do mundo, têm o desafio de usar das riquezas
produzidas e/ou adquiridas, e acumuladas, não somente para acabar com a miséria
e a fome, mas para realmente diminuir a desigualdade, promovendo e globalização
da solidariedade. Para humanizarem-se a si mesmos e à sociedade. A estes se
somarão, com toda certeza, milhares e milhares de menos ricos. Ninguém se
permita ficar refém do ter, em detrimento do ser. Ter condições de transformar
a realidade social, passando-a de uma situação de morte para uma situação de
vida, e não fazê-lo, é patológico, é sadismo crônico. É, também, decretar sua
própria inutilidade neste mundo, e não sei como ficará no outro...
Evidente
que aos que detêm o poder do capital devem se assomar os políticos. É urgente
que o congressista brasileiro, o segundo mais bem pago deste mundo, só perdendo
para os Estados Unidos, deixe de legislar em causa própria. Se o Congresso
Nacional tirou de si, fazendo justiça ao povo trabalhador, o 14º e 15º
salários, que era uma situação vergonhosa, por outro lado não pára de
acrescentar mordomias, tais como, aumento dos seus altos salários, auxílio
moradia, e eliminação do limite para gasto médico... Deveriam, se não querem
usar o SUS, como a quase totalidade dos trabalhadores(as), pagar planos
privados independentemente do Congresso. Isso cheira a um atentado à nossa
consciência letárgica, diante de tão grandes e graves necessidades como, por
exemplo, ter centros de saúde bem equipados no interior deste grande país, para
que os profissionais da saúde possam cuidar dignamente dos sem voz e vez.
*
Jornalista
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