sexta-feira, 5 de abril de 2013


Quando o ter é patológico

* Por Paulo Reims

Fomos criados, antes de tudo, para ser. É urgente que retomemos esta vocação natural. Ser gente, ser humano, ser bondade, compaixão e ternura. Até o Criador quis se tornar gente, e segundo lemos nos Evangelhos, Ele foi gente até ao extremo. Muito bem se diz: “Ele foi tão humano, que só podia ser divino”. Assim, quanto mais humanos somos, mais divinos nos tornamos. Quantas vezes já ouvimos esta frase: “Tal pessoa foi um anjo na minha vida, ou em determinando momento da minha história”. Esta pessoa, na verdade, cumpriu sua vocação de ser humana e humanizar.

O próprio Nazareno buscou ter o necessário para viver com dignidade. Onde quer que estivesse, mesmo faltando o necessário para si e para os que estavam com ele, encontrava uma forma de prover. Assim o fez, por exemplo, na multiplicação dos pães, narrada no Evangelho de João, no capítulo seis. O milagre ali acontecido decorre certamente da conversão dos corações. No meio daquela multidão que o seguia, muitas pessoas levavam consigo alguma provisão de alimentos. Ele subiu ao monte e começou a pregar. Os que tinham alimentos ficaram compungidos em seus corações e decidiram colocá-los em comum. O Mestre pediu que a multidão se organizasse em grupos e, assim, receberam dos servidores(as) o necessário para saciar a fome. Diz a passagem da Escritura que todas as pessoas comeram e ainda ajuntaram doze cestos cheios de pães.

Este é o exemplo para uma sociedade que quer e precisa ser democrática, justa, fraterna e solidária. Quando há partilha, todos têm e não falta para ninguém, e ainda sobra. Com toda certeza, quanto falta para uns é porque outros têm demais.

A renda líquida obtida em 2012 pelas 100 pessoas mais ricas do mundo foi de 240 bilhões de dólares. O valor poderia acabar quatro vezes com a extrema pobreza no planeta. A conclusão está em um relatório publicado pela ONG britânica Oxfam. Os números servem como alerta para a intensa e crescente desigualdade social no mundo.

O texto foi enviado aos debates do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça. A desigualdade no mundo ganhou um painel próprio no encontro.

O relatório da Oxfam indica que as diferenças entre os países estão diminuindo, mas a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres, dentro de cada nação, está crescendo. Essa é a regra na maior parte das nações em desenvolvimento.

Nos Estados Unidos, a desigualdade social é tão grande que, segundo a revista “The Economist”, supera a das últimas décadas do século XIX, a chamada “Era Dourada” do Capitalismo norte-americano. A porcentagem da renda nacional que vai para o 1% mais rico da população dobrou desde 1980, de 10% para 20%. Na União Europeia não é diferente.

O único lugar no mundo onde a desigualdade está caindo de forma sistemática é na América Latina, justamente a região mais desigual do mundo.

Em seu relatório, a Oxfam pede aos governos para tomarem medidas que, ao menos, reduzam os níveis atuais de desigualdade social aos de 1990. O texto conclui dizendo que “a desigualdade social é economicamente ineficiente, politicamente corrosiva, e socialmente decisiva. Para isso é preciso que os poderosos entendam os riscos da desigualdade”.

Os governos, as pessoas mais ricas do mundo, têm o desafio de usar das riquezas produzidas e/ou adquiridas, e acumuladas, não somente para acabar com a miséria e a fome, mas para realmente diminuir a desigualdade, promovendo e globalização da solidariedade. Para humanizarem-se a si mesmos e à sociedade. A estes se somarão, com toda certeza, milhares e milhares de menos ricos. Ninguém se permita ficar refém do ter, em detrimento do ser. Ter condições de transformar a realidade social, passando-a de uma situação de morte para uma situação de vida, e não fazê-lo, é patológico, é sadismo crônico. É, também, decretar sua própria inutilidade neste mundo, e não sei como ficará no outro...

Evidente que aos que detêm o poder do capital devem se assomar os políticos. É urgente que o congressista brasileiro, o segundo mais bem pago deste mundo, só perdendo para os Estados Unidos, deixe de legislar em causa própria. Se o Congresso Nacional tirou de si, fazendo justiça ao povo trabalhador, o 14º e 15º salários, que era uma situação vergonhosa, por outro lado não pára de acrescentar mordomias, tais como, aumento dos seus altos salários, auxílio moradia, e eliminação do limite para gasto médico... Deveriam, se não querem usar o SUS, como a quase totalidade dos trabalhadores(as), pagar planos privados independentemente do Congresso. Isso cheira a um atentado à nossa consciência letárgica, diante de tão grandes e graves necessidades como, por exemplo, ter centros de saúde bem equipados no interior deste grande país, para que os profissionais da saúde possam cuidar dignamente dos sem voz e vez.


* Jornalista

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