sábado, 13 de abril de 2013


Luzes verdes que são vermelhas 2

* Por Urda Alice Klueger

Nossa mente é capaz de associações tais que a gente quase não acredita. Lendo, aqui, o livro “ Era dos extremos”, do grande historiador e grande intelectual Erich Hobsbawm, encontro, já à página 14: “Para este autor, o dia 30 de janeiro de 1933 não é simplesmente a data (...) em que Hitler se tornou chanceler na Alemanha, mas também uma tarde de inverno em Berlim, quando um jovem de quinze anos e sua irmã mais nova voltavam para casa(...) de sua escola(...) e em algum ponto do trajeto viram a manchete. Ainda posso vê-la, como num sonho.”
Hobsbawm, que hoje beira os 90 anos, escreveu isso sessenta anos depois do ocorrido.

Eu não sei como funciona a mente dos meus caros leitores – sei que a minha faz associações parecidas. Nunca esqueço que estava numa lanchonete de um shopping-center, em Belo Horizonte, em maio de 1991 (ou foi 92? Maio eu garanto!), quando foi anunciada na televisão a queda da Ministra Zélia Cardoso de Melo (arrrrgh!!!). Para quem é jovem demais para lembrar dela, esclareço que Zélia Cardoso de Melo foi a ministra da Fazenda do governo Collor (ARRRRGHHHH!!!!!!), aquela que prendeu a poupança de todo o mundo, e deixou ricos e pobres iguaizinhos, com 50.000 cruzados no banco cada um – foi uma coisa engraçada: pobre estava acostumado a não ter dinheiro, mesmo, mas para os ricos a coisa pesou: tínhamos uns vizinhos ricos que até comida em casa tiveram que começar a fazer, legítimo arroz com feijão, já que não tinham mais o dinheiro para os restaurantes finos. E para a turma que não sabe, 50.000 cruzados era uma mixaria, não dava para quase nada.

Jamais esqueço aquela lanchonete de Belo Horizonte, com todos os seus cheiros, suas cores, o som da televisão, e os sorrisos de satisfação das pessoas que estavam lá, quando penso que aquela ministra acabou caindo (arrrrgh!!!).

Eu sou uma pessoa pródiga em amigos, maravilhosos amigos que povoam e encantam a minha vida, mas um deles sempre me foi muito especial: o grande poeta Marcos Konder Reis, que sempre trouxe aninhado no peito como se ele fosse um pombo num ninho. Fiquei amiga do Marcos quando era uma adolescente; privei da sua maravilhosa amizade até o ano passado, quando ele partiu para outras plagas, deixou este mundo. Em todos os verões da minha vida, desde que eu era uma mocinha, houve noites e noites de papo e poesia com Marcos Konder Reis em bares de Armação do Itapocoroy.
Lembro que no verão de 1991 tivemos uma única noite juntos, lá no velho Bar do Arão, em Armação, eu a tomar cuba-libres, ele a tomar conhaque de macieira. Foi uma noite inesquecível, onde ficamos até de madrugada discutindo poesia e tentando resolver problemas que escritores têm, como o de não se repetir. Após uma certa quantidade de cuba-libres e conhaques, passamos a recitar poesias – foi daquelas noites que nunca acontecem de novo.

Voltei a Blumenau na madrugada – e no outro dia fico sabendo que enquanto curtia poesia junto com Marcos Konder Reis, havia iniciado uma guerra! Era a Guerra do Golfo, a chamada guerra cirúrgica, que o mundo assistiu pela televisão como se fosse um videogame, achando bonitas as bombas explodirem em luzes verdes, incruenta guerra que escondeu os mortos e feridos e a cor vermelha do sangue. Ela durou pouco, rapidamente terminou, depois que as bombas de luz verde destroçaram o que queriam. Na minha cabeça ela ficou para sempre associada, porém, a uma noite de poesia com aquele terno anjo que se chamava Marcos Konder Reis. Eu acho que pude resistir à amargura dela porque tinha aquela lembrança da poesia a atenuá-la.

Como será agora, se a guerra voltar? Já não tenho o apoio do Marcos para sustentar as minhas emoções. E eu acho que a guerra está chegando. E hoje sabemos muito bem que as enganadoras luzes verdes das bombas são bem vermelhas.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. Uma passeio pelas suas letras, mesmo que seja sobre guerras, é uma maravilha de conscientização, Urda. E que a guerra não venha.

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