Luzes verdes que são vermelhas 2
* Por
Urda Alice Klueger
Nossa
mente é capaz de associações tais que a gente quase não acredita. Lendo, aqui,
o livro “ Era dos extremos”, do grande historiador e grande intelectual Erich
Hobsbawm, encontro, já à página 14: “Para este autor, o dia 30 de janeiro
de 1933 não é simplesmente a data (...) em que Hitler se tornou chanceler na
Alemanha, mas também uma tarde de inverno em Berlim, quando um jovem de quinze
anos e sua irmã mais nova voltavam para casa(...) de sua escola(...) e em algum
ponto do trajeto viram a manchete. Ainda posso vê-la, como num sonho.”
Hobsbawm,
que hoje beira os 90 anos, escreveu isso sessenta anos depois do ocorrido.
Eu não
sei como funciona a mente dos meus caros leitores – sei que a minha faz
associações parecidas. Nunca esqueço que estava numa lanchonete de um shopping-center,
em Belo Horizonte, em maio de 1991 (ou foi 92? Maio eu garanto!), quando foi
anunciada na televisão a queda da Ministra Zélia Cardoso de Melo (arrrrgh!!!).
Para quem é jovem demais para lembrar dela, esclareço que Zélia Cardoso de Melo
foi a ministra da Fazenda do governo Collor (ARRRRGHHHH!!!!!!), aquela que
prendeu a poupança de todo o mundo, e deixou ricos e pobres iguaizinhos, com
50.000 cruzados no banco cada um – foi uma coisa engraçada: pobre estava
acostumado a não ter dinheiro, mesmo, mas para os ricos a coisa pesou: tínhamos
uns vizinhos ricos que até comida em casa tiveram que começar a fazer, legítimo
arroz com feijão, já que não tinham mais o dinheiro para os restaurantes finos.
E para a turma que não sabe, 50.000 cruzados era uma mixaria, não dava para
quase nada.
Jamais
esqueço aquela lanchonete de Belo Horizonte, com todos os seus cheiros, suas
cores, o som da televisão, e os sorrisos de satisfação das pessoas que estavam
lá, quando penso que aquela ministra acabou caindo (arrrrgh!!!).
Eu sou
uma pessoa pródiga em amigos, maravilhosos amigos que povoam e encantam a minha
vida, mas um deles sempre me foi muito especial: o grande poeta Marcos Konder
Reis, que sempre trouxe aninhado no peito como se ele fosse um pombo num ninho.
Fiquei amiga do Marcos quando era uma adolescente; privei da sua maravilhosa
amizade até o ano passado, quando ele partiu para outras plagas, deixou este
mundo. Em todos os verões da minha vida, desde que eu era uma mocinha, houve
noites e noites de papo e poesia com Marcos Konder Reis em bares de Armação do
Itapocoroy.
Lembro
que no verão de 1991 tivemos uma única noite juntos, lá no velho Bar do Arão,
em Armação, eu a tomar cuba-libres, ele a tomar conhaque de macieira. Foi uma
noite inesquecível, onde ficamos até de madrugada discutindo poesia e tentando
resolver problemas que escritores têm, como o de não se repetir. Após uma certa
quantidade de cuba-libres e conhaques, passamos a recitar poesias – foi
daquelas noites que nunca acontecem de novo.
Voltei a
Blumenau na madrugada – e no outro dia fico sabendo que enquanto curtia poesia
junto com Marcos Konder Reis, havia iniciado uma guerra! Era a Guerra do Golfo,
a chamada guerra cirúrgica, que o mundo assistiu pela televisão como se fosse
um videogame, achando bonitas as bombas explodirem em luzes verdes,
incruenta guerra que escondeu os mortos e feridos e a cor vermelha do sangue.
Ela durou pouco, rapidamente terminou, depois que as bombas de luz verde
destroçaram o que queriam. Na minha cabeça ela ficou para sempre associada,
porém, a uma noite de poesia com aquele terno anjo que se chamava Marcos Konder
Reis. Eu acho que pude resistir à amargura dela porque tinha aquela lembrança
da poesia a atenuá-la.
Como será
agora, se a guerra voltar? Já não tenho o apoio do Marcos para sustentar as
minhas emoções. E eu acho que a guerra está chegando. E hoje sabemos muito bem
que as enganadoras luzes verdes das bombas são bem vermelhas.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Uma passeio pelas suas letras, mesmo que seja sobre guerras, é uma maravilha de conscientização, Urda. E que a guerra não venha.
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