terça-feira, 23 de abril de 2013


Fascínio e paixão
  
A Literatura fascina-me, embevece-me e me apaixona. E essa paixão se manifesta nas duas condições possíveis para o exercício dessa atividade: na de agente passivo (de consumidor), ou seja, como leitor e na de ativo (de produtor), como escritor (claro). Se me perguntassem qual desses dois papéis é o meu preferido, não saberia definir. Essa indefinição, aliás, responde, por si só, à questão. Deixa claro que amo exercer as duas funções, e simultaneamente, com o mesmo entusiasmo e vigor e com idêntica ausência de limites e restrições, o que caracteriza um amor.    

Nem preciso explicar, porquanto é lógico, que meu primeiro contato com as letras foi na condição de leitor. Aprendi a ler, antes de freqüentar escola, aos cinco anos de idade, com meu saudoso pai. Em vez de cartilha, como todas as crianças são alfabetizadas, meu aprendizado se deu soletrando uma velha Bíblia. Ou seja, desde o início dessa abertura intelectual para o mundo, comecei essa aventura fascinante lendo as histórias de Jonas e a baleia; de como Jacó conquistou sua primogenitura preparando um guisado de lentilhas para o pai, em detrimento do irmão Esaú, que deveria receber a bênção paterna, mas não recebeu; de como José se tornou, de escravo, governador, em sua passagem pelo Egito e outras tantas histórias incorporadas definitivamente na cultura judaico cristã. Em última instância, iniciei minha caminhada pelo mundo das letras pelos meandros da Literatura: a sacra.

Escrever idéias próprias (não me refiro a “copiar” textos alheios), comecei um pouco mais tarde, aos nove anos de idade, orientado por duas saudosas (e inesquecíveis) professorinhas primárias: Dona Helena e Dona Esther Freeman. Ambas foram sumamente pacientes em corrigir minhas primeiras e tacanhas composições e em estimular pequenos, mas contínuos progressos meus, com precisas palavras de incentivo nos momentos oportunos. Estava selado meu destino.

Eu, que tanto me empenhei em ser médico, mal sabia que meu futuro estava traçado desde o momento em que meu pai, com carinho e com indisfarçável orgulho, ensinou-me a juntar letras para formar palavras, sentenças, parágrafos, capítulos etc. naquela preciosa Bíblia. Tenho orgulho dele ter sido meu primeiro mestre, aquele que me abriu os olhos à luz do conhecimento. Com isso, exerceu, duplamente, o maravilhoso papel da paternidade. Ou seja, deu-me a vida e depois deu-me uma razão nobre e poderosa para viver.

Há quase meio século, sou jornalista por formação e escritor por opção. As duas atividades têm uma série de similaridades e outro tanto de diferenças. Ambas são exercidas mediante a palavra escrita. As duas objetivam comunicar idéias, conceitos e informações. Todavia, o campo da Literatura não é tão restrito quanto o do jornalismo. Diria que é irrestrito. É, virtualmente, infinito, até onde possam chegar a criatividade e a imaginação. Pode ser objetiva, mas abre amplos espaços à subjetividade. Não requer nem mesmo (não necessariamente) verossimilhança em seus relatos, embora esta seja bem vinda.

Já o jornalismo prima pela objetividade. Exige absoluto rigor no relato de fatos testemunhados, sem acréscimos e nem omissões. Tem como regra “pétrea” (infelizmente nem sempre seguida por “todos” os jornalistas), a total isenção na redação de qualqier notícia. Nesta não cabe, nunca e em circunstância alguma, qualquer opinião pessoal a propósito do acontecimento narrado. O texto da reportagem tem que ser, SEMPRE, retrato fidelíssimo da ocorrência. Amo as duas atividades, mas, se tivesse que optar por uma delas (felizmente não tenho) minha preferência recairia na Literatura.       

Pesquisando em meus arquivos para redigir este texto de caráter confessional (que optei por partilhar com vocês) – a intenção inicial era a de escrever outra coisa, mais objetiva, todavia o tema, como está posto, acabou por se impor por si só, como se tivesse vontade própria – dei de cara com estas observações do livro “Fábulas da identidade”, do crítico literário canadense Northrop Frye, que grifei quando da primeira leitura e que entendo caracterize bem o que é, formalmente, a Literatura:

“Algumas artes se movem no tempo, como a música; outras são apresentadas no espaço, como a pintura. Em ambos os casos, o princípio organizador é a recorrência, que é chamada de ritmo quando é temporal, e padrão, quando é espacial. Assim, falamos do ritmo da música e do padrão da pintura: mas depois, para exibir nossa sofisticação, podemos começar a falar em ritmo da pintura e padrão da música. Em outras palavras, todas as artes podem ser concebidas tanto temporal quanto espacialmente. A partitura de uma composição musical pode ser estudada toda de uma vez; um quadro pode ser visto como trilha de uma intrincada dança do olho. A literatura parece ser intermediária entre a música e a pintura; suas palavras formam ritmos que se aproximam duma seqüência musical de sons numa de suas fronteiras e formam padrões que se aproximam da imagem pictórica ou hieroglífica na outra. As tentativas de se chegar tão próximo quanto possível dessas fronteiras formam o corpo principal daquilo que se chama de escrita experimental. Podemos chamar o ritmo da literatura de narrativa, e o padrão, a apreensão mental simultânea da estrutura verbal, de significado ou significação. Ouvimos e escutamos uma narrativa, mas quando compreendemos o padrão total de um escritor ‘vemos’ o que ele quer dizer”. E Ftye não tem razão?! Claro que sim!

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk


Um comentário: