Russland III – O Ninho das Trovoadas
* Por Urda Alice Klueger
Éramos só eu e Atahualpa, meu cachorro, sobre o morro alto, na varanda da cabaninha rústica, naquele lugar que se chama Nova Rússia, e eu nunca espiara tão de perto o Ninho das Trovoadas.
Desde pequena que ouvia falar dele, daquele lugar onde as trovoadas nascem dentre os morros, ao sul do município, região de preservação ambiental, onde ainda dava para se viver como um dia, no passado... Pela vida afora vira incontáveis trovoadas vindo de lá e caindo sobre as minhas tardes, mas nunca estivera tão perto do ninho de onde elas saem. Então, no último sábado, sozinha com Atahualpa naquele lugar alto[1], consegui ver bem direitinho como é que uma trovoada nasce.
Não vi o ovo de onde a tempestade saiu, pois estava escondido lá no ninho, mas acompanhei atentamente o jeito como ela se arrumou e cresceu depois de nascer – primeiro, se anunciou por tímidos clarões piscando no horizonte, mostrando no escuro o contorno das montanhas que circundam o ninho – mais um pouco e os clarões já não eram tímidos, e ficava bem evidente que lá naquele lugar nascera e vivia mais uma trovoada que seria grandiosa dentro em pouco.
E ela foi crescendo, bem como crescem filhotes saudáveis. Em algum momento, ronronou docemente pela primeira vez, e como que se estendeu pelo céu se espreguiçando, enfeitada cada vez mais por clarões relampejantes. Então, a precedê-la, veio uma lufada de vento que refrescou um bocado o mundo, seguida de ágil exército de uns esqueléticos seres de finas pernas de água, que correu com muita rapidez sobre as árvores, a grama, o telhado da nossa cabaninha, resvalando para dentro da varanda onde espiávamos e esperávamos.
Aquilo foi como um prelúdio. Aquele primeiro ágil exército foi seguido por outros, e outros, e outros, os seres cada vez com perninhas menos frágeis, tangidos pelos grandes roncos que começaram a vir rolando pelo céu escuro, intermitentemente iluminado pelo piscar da trovoada que se libertava do ninho e pestanejava luz e raios, e as lufadas de vento, agora, ora molhavam um lado da nossa varanda, ora molhavam outro, e Atahualpa e eu mudávamos de lugar a cada vez que a chuva mudava de direção, mas permanecíamos ali, fascinados, e por nada do mundo eu perderia aquele espetáculo do nascimento e crescimento de uma trovoada!
E ela veio vindo, veio vindo, e quando percebi engolira todo o céu e todos os morros, e molhara cada folha de cada árvore e cada polegada de chão, bem como nosso telhado inteirinho e partes da nossa varanda, e se tornara alguém tão forte que mal dava para imaginar que, pouco antes, fora apenas um filhotinho de trovoada se escapando de um ovo, lá onde eu sempre ouvira contar que era o ninho das trovoadas!
Permanecemos ali a vê-la ir passando sobre nós, ir-se indo para longe, para lá distante, onde havia a cidade, sacudindo seu imenso corpo com grande rumorejo, muitos relâmpagos, arfar de ventos e abundância de chuva.
Trovoadas são assim: nascem, crescem, passam e se vão, e houve um momento em que aquela também se foi, e apenas uns respingos e uns troares ainda vinham da sua cauda fustigante que se afastava, mas não perdi um momento sequer da sua passagem e ida. Quando, afinal, seus lampejos foram se perdendo dentre outros morros distantes e olhei a volta da cabaninha onde estávamos, via-a cercada de árvores e grama que pareciam envernizadas de fresca água, brilhantes à luz da nossa pobre lâmpada elétrica, coisa tão fraca e sem expressão perto da imensa força e potência de uma trovoada de verdade, vista desde o momento do seu nascimento!
E pensar que tive o privilégio de ver, enfim, onde é o Ninho das Trovoadas!
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
* Por Urda Alice Klueger
Éramos só eu e Atahualpa, meu cachorro, sobre o morro alto, na varanda da cabaninha rústica, naquele lugar que se chama Nova Rússia, e eu nunca espiara tão de perto o Ninho das Trovoadas.
Desde pequena que ouvia falar dele, daquele lugar onde as trovoadas nascem dentre os morros, ao sul do município, região de preservação ambiental, onde ainda dava para se viver como um dia, no passado... Pela vida afora vira incontáveis trovoadas vindo de lá e caindo sobre as minhas tardes, mas nunca estivera tão perto do ninho de onde elas saem. Então, no último sábado, sozinha com Atahualpa naquele lugar alto[1], consegui ver bem direitinho como é que uma trovoada nasce.
Não vi o ovo de onde a tempestade saiu, pois estava escondido lá no ninho, mas acompanhei atentamente o jeito como ela se arrumou e cresceu depois de nascer – primeiro, se anunciou por tímidos clarões piscando no horizonte, mostrando no escuro o contorno das montanhas que circundam o ninho – mais um pouco e os clarões já não eram tímidos, e ficava bem evidente que lá naquele lugar nascera e vivia mais uma trovoada que seria grandiosa dentro em pouco.
E ela foi crescendo, bem como crescem filhotes saudáveis. Em algum momento, ronronou docemente pela primeira vez, e como que se estendeu pelo céu se espreguiçando, enfeitada cada vez mais por clarões relampejantes. Então, a precedê-la, veio uma lufada de vento que refrescou um bocado o mundo, seguida de ágil exército de uns esqueléticos seres de finas pernas de água, que correu com muita rapidez sobre as árvores, a grama, o telhado da nossa cabaninha, resvalando para dentro da varanda onde espiávamos e esperávamos.
Aquilo foi como um prelúdio. Aquele primeiro ágil exército foi seguido por outros, e outros, e outros, os seres cada vez com perninhas menos frágeis, tangidos pelos grandes roncos que começaram a vir rolando pelo céu escuro, intermitentemente iluminado pelo piscar da trovoada que se libertava do ninho e pestanejava luz e raios, e as lufadas de vento, agora, ora molhavam um lado da nossa varanda, ora molhavam outro, e Atahualpa e eu mudávamos de lugar a cada vez que a chuva mudava de direção, mas permanecíamos ali, fascinados, e por nada do mundo eu perderia aquele espetáculo do nascimento e crescimento de uma trovoada!
E ela veio vindo, veio vindo, e quando percebi engolira todo o céu e todos os morros, e molhara cada folha de cada árvore e cada polegada de chão, bem como nosso telhado inteirinho e partes da nossa varanda, e se tornara alguém tão forte que mal dava para imaginar que, pouco antes, fora apenas um filhotinho de trovoada se escapando de um ovo, lá onde eu sempre ouvira contar que era o ninho das trovoadas!
Permanecemos ali a vê-la ir passando sobre nós, ir-se indo para longe, para lá distante, onde havia a cidade, sacudindo seu imenso corpo com grande rumorejo, muitos relâmpagos, arfar de ventos e abundância de chuva.
Trovoadas são assim: nascem, crescem, passam e se vão, e houve um momento em que aquela também se foi, e apenas uns respingos e uns troares ainda vinham da sua cauda fustigante que se afastava, mas não perdi um momento sequer da sua passagem e ida. Quando, afinal, seus lampejos foram se perdendo dentre outros morros distantes e olhei a volta da cabaninha onde estávamos, via-a cercada de árvores e grama que pareciam envernizadas de fresca água, brilhantes à luz da nossa pobre lâmpada elétrica, coisa tão fraca e sem expressão perto da imensa força e potência de uma trovoada de verdade, vista desde o momento do seu nascimento!
E pensar que tive o privilégio de ver, enfim, onde é o Ninho das Trovoadas!
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Não consigo sair da minha maneira de ser sempre racional. Mesmo estando longe da tempestade, mas sabendo-a a mercê de raios junto com seu cãozinho Athaualpa, temi por vocês. Ainda prefiro a segurança da leitura do que viver emoções tão fortes. Mas a viagem foi sedutora.
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