sexta-feira, 10 de junho de 2011







Maria



* Por Eduardo Oliveira Freire

Um pensamento vivo surgiu do nada na mente de Bernardo. O menino fazia de tudo para não pensar nele. Sentia raiva:
– Sai dá minha cabeça!
– Por quê?
– Odeio você.
– Vamos ser amigos.
– Não quero ser seu amigo.
Bernardo inventou um punhal de pirata e furou o coração do pensamento. " Não é gente e nem bicho". Depois, foi brincar de videogame na casa de um colega.
Anos depois, Bernardo, ao andar pela rua, encontrou uma moça diferente. Altura mediana, magra, mestiça de olhos verdes claros. Andava tão leve, que parecia flutuar.
Ela o olhou e ele sentiu ardência nos olhos, como se tivesse entrado areia neles. Neste dia não fazia calor, apesar de ensolarado.
A moça perguntou-lhe, sorrindo:
– Quer ir à minha casa?
O rapaz ficou surpreso com o convite; nunca tinha visto aquela moça. Decidiu ir, apesar de estar receoso.
A casa onde Maria morava era antiga e espaçosa, mas não chegava a ser uma mansão; dava para escutar o barulho do mar e do vento e havia uma biblioteca com um acervo bem variado. Bernardo não gostava dos ruídos do vento e do barulho do mar, deixavam-no triste. Na casa de Maria os ouvia e se lembrava de coisas que nunca até então lhe importavam. Queria ir embora; não conseguia.
Quando viu o mal estar de Bernardo, ela perguntou:
– O quê realmente gosta de fazer?
– Não sei.
– Nunca se apaixonou por algo ou alguém?
– Por que você me pergunta isso?
– Curiosidade.
– Você é estranha. Como se chama?
– Maria.
– O meu é...
– Bernardo, já sei.
– Como?
– Conheço você há muito tempo.
– De onde?
– Não vou dizer.
– Tá legal. Sua casa é tão silenciosa, parece ser tão triste. Como consegue viver aqui?.
– Eu gosto daqui. O silêncio me faz bem. Por que não passa uns tempos aqui? Vai gostar.
Decidiu morar um tempo com Maria. Sempre fora uma pessoa sozinha. Abandonava e era abandonado. Nunca brigou; suas relações de amizade ou namoro, se acabavam simplesmente.
Maria o atraia. Nunca se sentira assim e isto não era cômodo. Ela o fazia pensar.
– A quem você engana?
– Do que está falando?
– Nunca sabe nada. Vive como um autômato.
– O quê é isso?
– É uma pessoa que vive automaticamente, não pensa ou nunca reflete.
Outro dia, Maria disse que gostaria de ser uma luz, para ir a lugares inimagináveis. Bernardo achou graça:
– Nunca quis mudar, aliás, nunca pensei nisso.
A família do rapaz, no início, ficou preocupada. Sair de casa, para morar com uma moça, que conheceu há poucos dias.
Mas depois, viram a modificação de Bernardo. Estava menos apático em família; antes, sua relação com os pais sempre fora maquinal.
Percebera o tempo. Sentiu-se envelhecer.
Começou a ter consciências de seus atos, os quais antes tinham passado despercebidos. A sua memória era nula. Bernardo crescera por crescer.
Viajaram para um lugar montanhoso. Maria tinha uma cabana, sem luz elétrica ou água encanada; havia um poço nos fundos, perto do início da mata.
Bernardo nunca tinha visto escuridão que só se vê no campo. O mais assustador eram os ruídos dos bichos noturnos e o barulho da mata e das árvores. Era tudo rústico e tão intensamente vivo, que a imaginação do rapaz funcionava a mil. Tinha pesadelos com monstros, espreitando ao redor da cabana e como se as estrelas brilhantes lá do céu lhe caíssem na cabeça.
Nunca se esqueceu dessa viagem de sua vida.
Um dia, recordou-se do que fez, quando era criança. Sentiu remorso; nunca antes vivenciara tal sentimento.
De repente, a revelação surgiu diante dos seus olhos:
– Maria, você foi o pensamento que matei. Veio se vingar?
– Eu já me vinguei. Fiz você pensar e sair da inércia.
– Fiz por fazer, desculpa.
– Já o perdoei há muito tempo.
– Você abriu minha cabeça. Agora, não paro de pensar. Não sei se lhe devo agradecer ou não. Sinto-me vivo, mas ao mesmo tempo, amaldiçoado.
– Gostaria de ter sua ignorância de volta?
– É mais prático ser ignorante. Você me faz confuso.
– Que bom que faço você sentir.
Bernardo nunca mais parou de pensar.

***********


– Gostou?– perguntei aflito.
– Interessante. Eu faria melhor, mas você tem um certo talento.– respondeu a árvore.
– Fui absolvido.
– Sim, vai embora.
A mão me pegou de novo e me jogou de volta para o meu quarto. Estava assustado. Escutei alguém me chamar:
– Tá na hora do almoço.
– Já vou.
Desci e não contei a ninguém o que aconteceu.

* Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, com Pós Graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e é aspirante a escritor

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