segunda-feira, 1 de junho de 2015

Encontro marcado


* Por Daniel Santos


Faz nove anos já. Saía do consultório médico com a receita do antidepressivo, quando um amistoso tapinha nas costas me surpreendeu, mas sem sobressalto.

Vivia, àquela época, amarga experiência com o desencanto (perda dos pais, desemprego, amigos no exterior) e, súbito, as nuvens da minha testa refluíram ante o radiante sorriso de um velho amigo.

“Pedro!”, cumprimentei em voz alta esse gaúcho (ou não é gaúcho? – já nem lembro), velho companheiro de república estudantil que, tão logo terminou a faculdade, empregou-se com invejável salário num prestigioso jornal de Campinas.

Desde então, nos avistamos poucas vezes, embora escrevêssemos com regularidade um ao outro, mas nos últimos tempos nos afastara um silêncio que parecia definitivo.

Parecia. No entanto, por obra e graça do destino, houve aquele providencial encontro. Nos estapeamos efusivamente como nos verdes anos e logo relembrávamos os bons tempos numa choperia onde os pombos ciscavam sob mesas com tampos de mármore encardido.

O encontro amenizou minha solidão. Fizemos rápido retrospecto de nossas vidas e, depois, perguntei do pessoal. Soube que Nei (“um dos textos mais inspirados que já li”, disse Pedro) firmara-se como escritor e jornalista lá no sul e Urariano, o primeiro de nós a ter barba (“como a do Che”, ele se gabava, então), igualmente escritor e jornalista, publicava até no exterior.

Soube, ainda, que o talentoso Marcelo bandeou-se para os lados da publicidade e chegou a receber um prêmio em Cannes, enquanto Fábio venceu o “Jabuti” com seu romance de estréia, “Doce veneno” – algo, aliás, bastante previsível já à época da república.

“E Celamar?”, quis saber de Pedro que me parecia muito bem informado a respeito de todos, e acrescentei que era aquela libertária, ávida  leitora de Simone de Beauvoir, se bem as más línguas sussurrassem que  tinha sob o travesseiro livros de Nélson Rodrigues e Adelaide Carraro.

“Ah, continua combativa. Onde tem hipocrisia, ela mete o dedo na ferida sem piedade”, disse Pedro com indisfarçável orgulho dessa amiga, se bem exaltasse igualmente Risomar: “Uma brasileira e tanto”, frisou.

Perguntei, então, por Evelyne, uma linda mocinha potiguar que, muitas vezes, deixava de ir às baladas com a gente só para fruir das altas letras. Soube que persevera nos clássicos, desenvolve literatura própria e revira olhos ao falar de Balzac, “além de manter aquele sorriso encantador”, disse Pedro. Ou seja, destino semelhante ao de Aliene que forma novos jornalistas em Brasília, cidade inspiradora de sua poesia.

Sim, quis saber de todos, mas às tantas a tristeza voltou. Para que relembrar, se logo o amigo retomaria seu curso e levaria consigo minhas mais caras lembranças? Pedi ao garçom um copo d’água para ingerir um antidepressivo, mas o velho gaúcho de guerra (ou não é gaúcho?) me encaminhou à saída: queria me levar à  minha tribo – disse, misterioso.

Caminhamos três quarteirões, talvez quatro, e ele me apontou um confortável casarão à antiga em que se lia no frontispício: Literário. Entramos e ... quase caí para trás! Amontoados na sala, esfuziantes como nos velhos tempos da república estudantil, lá estavam todos eles ... à minha espera! – entendi, depois.

Passada a comoção, Pedro me deu a chave da casa e disse que poderia me encontrar ali com os demais. Peguei a chave que, na minha mão, tilintava como sininho da felicidade.

Depois, foi correr pro abraço.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Acabamos por conhecer um pouco de cada um nesta boa família do Literário. Alguns foram embora, outros voltaram, alguns morreram, outros novos chegaram. Eu não sou fundadora e nem recente, pois cheguei há mais de seis anos. Gosto daqui.

    ResponderExcluir