Comunicação verbal
* Por Pedro J.
Bondaczuk
A facilidade de comunicação através da
palavra falada, ou seja, da conversa, do olho no olho, daquilo que os franceses
chamam de "tête-a-tête" é um dom. Alguns, são mais articulados,
outros, nem tanto, outros, ainda, têm dificuldades muitas vezes intransponíveis
de entender e de se fazerem entendidos pelos que os cercam.
De minha parte, vim a descobrir que
tinha essa vocação para falar em público há trinta anos, embora há 54 houvesse
trabalhado em rádio, profissão que voltei a exercer tempos depois, em Campinas,
de 1980 a 1982, na excelente Rádio Educadora (atual Band Campinas). Não me
refiro, porém, ao simples bate-papo, que sempre gostei, por apreciar as
pessoas, o ser humano, os indivíduos (claro, os positivos e inteligentes, que
não lesam ninguém e têm postura construtiva). Entre 1985 e 2007, realizei na cidade (e fora dela, inclusive em
outros Estados) constantes palestras, proferindo discursos em solenidades
diversas, fazendo, até, conferências, e inclusive dando aulas inaugurais em
universidades.
O engraçado é que até então não me
julgava capaz de enfrentar grandes platéias. Sempre me considerei tímido,
inibido, medroso em relação a estranhos. No rádio não havia problema: ficava
confinado em um estúdio, na companhia somente do operador de som. Mesmo sabendo
que do outro lado eu poderia estar sendo ouvido por milhares, provavelmente
milhões de pessoas, inclusive de outros países, dado o incrível alcance das
ondas sonoras, nunca me preocupei. Até porque, voz (principal instrumento do
radialista) sempre tive boa (pelo menos os que me empregaram diziam isso, além
dos ouvintes fiéis que consegui conquistar).
Encarar um auditório, principalmente
desconhecido, como fiz freqüentemente, não é brincadeira. E interessá-lo de
formas a que me ouvisse por meia hora ou mais, sem impaciência, tédio ou
irritação, e aprendesse alguma coisa comigo, foi constante desafio. A arte da
oratória ajuda e tive a felicidade de fazer um curso desses, o que me deu pelo
menos autoconfiança, mas nunca me tirou o nervosismo.
Um orador (palestrista ou
conferencista) sente, antes de começar a falar, a mesma tensão de um ator. Fica
dopado de adrenalina. Tanto, que só consegue voltar ao normal duas ou três
horas depois de cada apresentação. Sua frio, a boca fica seca, o coração
dispara e o sangue lateja nas têmporas.
Quando o mestre de cerimônias me
anunciava, e todos os olhares se voltavam para mim, dava um medo terrível. Não
das pessoas ali presentes, é óbvio, mas do ridículo. A mesma coisa eu sinto
quando encaminhava à editoria competente (não a que era responsável, é óbvio)
um texto para ser publicado, artigo ou crônica (não importa). Mas ao vivo,
diante de uma grande platéia, em geral desconhecida, a sensação de medo é muito
pior.
A vista fica turva, a respiração
ofegante e entrecortada e é difícil dizer as primeiras palavras. Chegava a ficar
em pânico, embora ninguém percebesse. Ao contrário, em geral os que me ouviam
comentavam, depois, sobre a minha frieza, minha calma, minha tranqüilidade. Mal
sabiam que tão logo era anunciado, tinha, apenas, vontade de fugir, de correr,
de sair daquele local. Respirava fundo, olhava para todos os lados do auditório
e fixava o olhar na última fileira. É um truque que aprendi. Parecia, a cada
pessoa presente, que estava olhando diretamente para ela. Na verdade, não olhava
especificamente para ninguém.
Feita a saudação de praxe, a tensão
baixava. A mente ficava clara e só tinha um objetivo: fazer-me entendido. O
nervosismo desaparecia por completo, substituído por uma euforia muito grande,
uma espécie de embriaguez. Essa sensação é que garantiu meu sucesso no contato
com o público. Em trinta anos, fiz mais de quatrocentas apresentações. E posso
contar nos dedos de uma só mão as que, na minha autocrítica – e no consenso dos
que me assistiram – não foram pelo menos corretas.
Os que me acompanharam nestes anos
todos garantem que 30% delas foram brilhantes. Acho exagerado. Talvez 5%,
quando muito, mereçam essa classificação. Medíocres, por outro lado, foram umas
dez ou doze, em que senti a platéia bocejar e alguns chegarem até mesmo a
abandonar o recinto. E qual a razão dessa arriscada exposição? Vaidade?
Dinheiro? Fome de elogios? Pode até ser. Mas o motivo maior foi a generosidade,
a convicção de que devia passar adiante os conhecimentos e a experiência que
adquiri. Só mesmo ela poderia levar-me a
abrir mão da privacidade, vencer a timidez, superar o medo do ridículo e
enfrentar públicos dos mais variados e complexos, tornando-me
"viciado" em adrenalina.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Posso estar enganada, mas já li este texto aqui. Quanto ao vício de adrenalina, este eu não tenho. Em pequenas rodas eu falo, mas ficar lá na frente e falar algo com começo meio e fim, ainda que por poucos minutos, eu acho melhor não me arriscar.
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