Antecipação ou simulação da vida?
“A literatura
antecipa sempre a vida. Não a copia, amolda-a aos seus desígnios”. Quem
escreveu isso foi o polêmico, mas nem por isso menos genial, escritor inglês
Oscar Wilde. Esta, todavia, é apenas uma visão específica, entre tantas outras,
dessa atividade que tanto fascina e apaixona (e não raro obceca seus cultores e
consumidores). Não é a única e nem poderia ser. Cada praticante dessa arte tem
sua opinião a respeito (muitas são parecidas, outras tantas, apenas
semelhantes, mas raras são rigorosamente iguais). E mais, cada qual tem sua
justificativa pessoal para ter escolhido esse caminho (fama, fortuna, desabafo,
satisfação íntima, idealismo etc. etc. etc.) Todos, porém, concordam que o foco
central da Literatura é a vida, com suas delícias e horrores, condições que
tentam entender e transmitir aos leitores.
Fernando Pessoa enxergava essa arte de forma um tanto
diferente da de Oscar Wilde. Para ele, “escrever é esquecer. A literatura é a
maneira mais agradável de ignorar a vida”. Será? Enfim, foi a opinião que
expôs. Na sequência, o criador dos heterônimos tentou justificar sua visão,
mediante comparações. Escreveu: “A música embala, as artes visuais animam, as
artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém,
afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam
da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras
porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura”.
A essa altura, Fernando Pessoa chega a conclusão mais ou
menos parecida com a de Oscar Wilde. Apenas substitui a palavra “antecipação”,
do escritor inglês, pela “simulação”. Escreve: “Essa (a Literatura) simula a
vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado
sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem
que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso”. E não está certo? Não
fala mesmo! Estou mais propenso, contudo, a ficar com essa sua opinião, em
detrimento da de Oscar Wilde. Romances, contos, novelas, poemas etc., em vez de
“anteciparem” a vida, simulam-na. Às vezes, até antecipam, mas não é regra
geral. Aliás, entendo que a vida sequer comporte regras.
A Literatura mudou muito ao longo dos séculos, notadamente
após a chamada “Renascença” que, como o nome sugere, foi um “renascimento” das
artes, após longuíssimo período de “morte” (ou de mera hibernação talvez),
conhecido como Idade Média, em que o homem e suas grandezas e misérias deixou
de ser o foco central das artes (e, por conseqüência, das letras). Voltou a ser,
contudo, o centro das atenções, para o bem ou para o mal a partir do século
XIII. A mudança mais radical, e de enfoque, ocorreu, notadamente, a partir do
século XIX, acentuando-se no XX. Até então, os personagens não eram sequer
verossímeis.
Os heróis das histórias do período classificado como
Romantismo eram dotados de todas as virtudes possíveis e imagináveis e, em
contraposição, os vilões eram diametralmente opostos: protótipos da maldade,
cometendo toda a sorte de vilanias, para serem, no entanto, punidos no final
dos enredos. Ocorre que o homem de carne e osso, (nós, eu, você, fulano,
sicrano, beltrano etc.) não é assim. Traz, dentro de si, latentes, todos os
vícios e todas as virtudes que há, que vêm ou não à tona, se refletindo em seus
atos, ao sabor das circunstâncias. A vida não é assim.
Hoje em dia, quem recorre a esses extremos, raramente se dá
bem (às vezes acontece! Mas é cada vez mais raro). O mais comum é que caia em
ridículo, e isso quando ao menos consegue publicar seus romances (ou contos, ou
novelas, não importa). E se publica, não tem porque ficar surpreso quando seu
livro encalha nas prateleiras das livrarias. Nelson Rodrigues explicou, de
certa forma, a razão dos escritores criarem personagens que se assemelhem às
pessoas com as quais convivemos no dia a dia, ou seja, verossímeis, de forma
até um tanto crua, como era de seu feitio. Escreveu: “Muitas vezes é a falta de
caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com
bons sentimentos”. Não se faz mesmo! Eu aduziria: infelizmente. E isso está
mais para a “simulação” da vida, proposta por Fernando Pessoa, (quer gostemos
ou não, é assim) do que para a “antecipação”, sugerida por Oscar Wilde.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Responde mansamente à pergunta: afinal, o que é Literatura? Gostei da sua lista de motivos para alguém se enveredar por este caminho de resultados frustrantes.
ResponderExcluir