“Desesperar jamais”! (Ivan Lins)
* Por Mara Narciso
As grandes perdas, as imensas lacunas naturalmente levam a pessoa ao desespero.
Quando se perde a esperança, o dicionário não tem palavras necessárias para
descrever o que se sente. A palavra dor é a primeira que vem à mente, seguida
de adjetivos hiperbólicos. Outros substantivos aparecem amarrados ao desespero
como pavor, outro bem graduado em termos de sofrimento.
Para que falar de desespero se diz o ditado que “a esperança é a última
que morre”? Ele chega depois da morte, quando tudo já terminou, mas ainda é
preciso passar pelo calvário dos mortos-vivos. Alguém ou alguma coisa se foi
para sempre, e a vontade é sair por aí andando, andando, sem destino, e vai
mesmo, com o olhar perdido, em total desamparo buscando algo que não existe
mais, ou que não vai voltar nunca mais.
Desespero é um buraco sem fundo, um abismo, uma escuridão, um inferno. É
estar solto no ar, com as pernas correndo no vácuo. A dilaceração percorre o
corpo e para no coração, o destrói e depois corre pelos braços e pernas,
rasgando suas carnes. Nesta fase, não há como escapar, mas é a única vontade
que se tem: fugir de si mesmo, ficar fora da realidade, torcer para que seja um
pesadelo e que se possa acordar.
Caso a dor persistisse na sua força inicial, levaria o sofredor à morte,
mas a natureza tem recursos e a agonia vai abrandando, até se tornar suportável.
As defesas são disparadas, a mente lança mão de recursos mentais, de
ferramentas psíquicas, e a sobrevivência torna-se possível. Mas o sofrimento
psicológico pode ser eterno.
O que dizem os amigos, quando a eles se recorre para chorar em busca de
uma palavra de conforto, de esperança? Bem intencionados, falam palavras soltas
ao vento, frases prontas, que se não atrapalham, pouco ajudam. A intenção é
consolar, mas nas perdas sem medidas, nada adianta. A ferida sangrante vai
formando seu coágulo, a sangria vai se estancando, depois, num processo
inflamatório ocorre a granulação, e pouco a pouco, com a lentidão dos males do
amor, a ferida se fecha. A cicatriz jamais se apaga.
A insônia faz o sofrimento ser mais atroz. É preciso vivê-lo momento a
momento, sem intervalo, até amadurecê-lo. Quando as forças já se esgotaram, a
cabeça aprende a suportar, e a vida continua, porém, esburacada e sem luz.
Que tipo de perdas leva ao desespero? O campeão hors concours é a
morte de um filho, especialmente em morte trágica. Para isso não tem remédio
nem conserto, só lágrimas. A perda por morte de outras pessoas, pai e mãe, ou
outros parentes e amigos tem seu poder destruidor. A perda de um amor, o
simples abandono ou a troca da sua pessoa por outra rende livros, filmes e
textos. Perdas materiais podem levar ao desespero, visto em rede nacional
quando há enchentes, seca, incêndios, terremotos ou outros fenômenos.
Há essa triste mania humana de juntar pessoas e coisas ao seu redor,
tolamente pensando que aquilo, coisa e gente, podem pertencer a alguém. Estamos
de passagem, e pagam-se caro pela ingenuidade quando o bem ou pessoa
desaparece, restando nada, e quando muito, uma lembrança que, se no caso de
gente pode consolar, no caso de coisa atormenta.
Outro gosto humano é se acostumar com situações privilegiadas e quando
vem a perder a condição, cair em desespero. Entra aí poder, fama, dinheiro,
beleza física, juventude, força, tudo misturado. Outra fonte de sofrimento é a
perda da saúde, da autonomia, da independência, com destaque para o
aparecimento de invalidez física ou mental. As perdas poderão ser súbitas nuns
casos e lentas noutros, mas ainda assim, privações e dores. Pior é quando se
perde pássaros no ar, ilusões, algo que poderia ser seu e nem chega a sê-lo:
uma conquista amorosa, o título de um campeonato ou de beleza, uma vitória
eleitoral. Mesmo com altos investimentos, essas dores menores entram como
frustração e não chegam a desespero.
O sal, desde os tempos imemoriais, cura feridas. A salmoura arde,
desinfeta, estimula a cicatrização, impede infecções e reabilita. É por isso
que as lágrimas salgadas aliviam. À medida que o choro molha a face, vai
lavando a ferida da alma, e o buraco fundo vai ficando raso, a dor se ameniza,
aparece a luz e a esperança retorna. O sofrimento fica guardado, escondido num
canto. Como seres adaptáveis, aqueles que têm o privilégio da sabedoria
aprendem logo a viver, atingem rápido esse estágio, acham outros derivativos e
novas razões para continuar. Levantam e andam em busca do seu destino.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Ótimo texto, Mara. Se não chega a ser um lenitivo contra tantas e tão contundentes formas de desespero, é um lúcida reflexão sobre o assunto. Um grande abraço.
ResponderExcluirQuando estamos bem, nem pensamos em como podem ser imobilizantes momentos de desespero. Escrevi baseando-me em uma pessoa que vi no domingo passado e em minhas experiências pessoais. Obrigada pela passagem frequente e estímulos semanais.
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