quinta-feira, 23 de maio de 2013


Torquato Neto num disco de Nara Leão

* Por Everi Rudinei Carrara

A primeira vez que ouvi músicas com letras escritas pelo poeta TORQUATO NETO foi aí por volta de 1985. Alguns amigos haviam ouvido a boa palavra do poeta piauiense nos manjadíssimos discos da fase tropicalista dos cantores e compositores baianos. Mas comigo aconteceu de ter recebido em novembro daquele ano um disco e dois livros como presentes de aniversário: "ÚLTIMOS DIAS DE PAUPÉRIA (Torquato Neto), "ESCRITOS DE ANTONIN ARTAUD" (tradução de Claudio Willer), e o disco "Nara" (Nara Leão,1968).

Esses 3 artistas nunca mais deixaram de fazer parte de minhas principais linhas de referência cultural. Em comum entre eles (guardadas as devidas proporções e discrepantes origens familiares e sociais) há o talento incomensurável e a rejeição ao conformismo e às concessões vigentes em suas respectivas épocas. No disco de Nara há 2 composições emblemáticas da dupla Caetano Veloso/Torquato Neto: "Mamãe coragem" e "Deus vos salve esta casa santa". E na voz de Nara tudo soa muito deliciosamente peculiar.

Que maravilha é ouvir Nara cantando 2 poemas de Torquato! Esses poemas de Torquato estão no livro acima referido. Aliás, os "Os últimos dias de Paupéria" parece ter sido parido como uma ação premonitória de despedida do artista enquanto ícone do movimento tropicalista e autor exponencial do pensamento libertário. Há poetas, artistas e guerrilheiros libertários que talvez, inconscientemente parecem querer abreviar suas vidas diante do caos e do absurdo de nossas existências nesta "civilização de palha" (termo cunhado por Artaud).

O livro de Torquato, entretanto, assim como a genialidade e, a contínua resistência cultural heróica do mestre tropicalista TOM ZÉ, registram o vigor de uma profunda revolução oswaldiana antropofágica, alegre, visceral, pós-tudo, colocando dinamites nos pés deste sonolento início de século.

O livro de Torquato é subversivamente atual, sincero e despojado de modismos e ismos. Sua foto num sanatório na tristeresina, lembra-me a aura do iluminado enfeitiçamento de Artaud, em Rodez.

Sua fé na resistência do verso contra o academicismo bocó das panelinhas de poesia e aburguesamento irrefreável estimulam nossa luta contra os leões de chácara da cultura nesta era da globarbarização agonizante.

Que viva Torquato!

* Poeta e crítico musical.

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