A guerra do Paraguai: uma
tríplice infâmia?
* Por Raquel Moysés
A universidade oferece um momento para superar o desconhecimento sobre
uma história muito mal contada nas escolas e em diversos livros. É só
participar da conferência do historiador argentino Alejandro Olmos Gaona nesta
quinta-feira, 23 de maio. Ele vai falar sobre "Os mitos da guerra da
Tríplice Aliança", a obscura guerra contra o Paraguai, que foi levada
a cabo pela Argentina, Brasil e Uruguai, e sobre a qual Olmos está escrevendo
um livro. A conferência vai ser às 18h30min, no Auditório do Centro de
Filosofia e Ciências Humanas (CFH), numa promoção do Núcleo de Estudos de
História da América Latina (Nehal) e do Instituto de Estudos Latino-Americanos
(IELA/UFSC).
Professor da cátedra sobre Dívida Externa da faculdade de Direito da
Universidade de Buenos Aires, Alejandro Olmos pesquisa história medieval e
história colonial latino-americana, com ênfase em política internacional
argentina. Integrante da comissão encarregada de fazer a auditoria da dívida
externa do Equador, é autor do livro “La deuda odiosa: El valor de uma
doctrina jurídica como instrumento de solución política”. Nesta obra, Olmos
apresenta os fundamentos de uma doutrina para colocar em xeque a
legitimidade das dívidas externas dos países. Para aliviar a pesada carga que
massacra nações endividadas, ele discute no livro como se opor com firmeza aos
credores de dívidas ilegítimas e execráveis, contraídas contra os interesses
dos povos por ditaduras, monarquias, ou ainda sob coação.
Alejandro Olmos participa também, nesta sexta-feira, no Auditório da
Reitoria, às 8h30min, da sessão latino-americana do VIII Encontro da Associação
Mundial de Economia Política (World Association for Political Economy – Wape),
realizado pelo IELA entre os dias 24 e 26 de maio. Nesta sessão, que vai tratar
da economia política da dívida externa na América Latina, o professor aborda o
tema “A farsa do ‘desendividamento’ externo da Argentina”.
Tríplice infâmia
Olmos é um dos historiadores que discute criticamente a guerra contra o
Paraguai, cuja verdade histórica tem sido frequentemente boicotada pelo relato
oficial. Este, em geral, oferece versões em que o Paraguai é apresentado como
uma expressão de barbárie, e o seu presidente à época, Francisco Solano López,
como um déspota, o que justificaria a campanha “civilizadora e democrática” da
tríplice aliança, como bem lembram Norberto Galasso e Germán Ibañez, no texto
“A guerra da tríplice infâmia”, em Cuadernos para la otra historia.
Por trás dos bastidores, explicam os autores, a tríplice aliança visava
destruir o modelo de desenvolvimento autônomo do Paraguai. Uma nação que, em
1860, era a mais desenvolvida da América do Sul. Com um Estado que supria quase
todas as necessidades da administração pública através do monopólio
governamental da exploração do mate, de madeiras de construção e do tabaco. O
que fazia com que o povo paraguaio praticamente não tivesse que pagar impostos.
Era inaceitável para o Estado, naqueles dias, que um paraguaio não
tivesse moradia ou terra. Assim, o governo distribuía terras e ferramentas aos
índios. E até gado a gente pobre do campo recebia para criar e tirar o próprio
sustento. Na zona do Chaco, erguiam-se colônias agrícolas e de produção
pecuária, além de fábricas de papel e serrarias. Até mesmo a indústria
metalúrgica começava a prosperar, chegando a ser construída, em 1861, a
primeira estrada de ferro e a primeira linha telegráfica no país.
Além do mais, como destacam Galasso e Ibañez, o ensino era obrigatório,
o que não ocorria à época nem mesmo na maioria das cidades europeias. O Estado
paraguaio se responsabilizava por oferecer alojamento, roupas, livros, material
e merenda escolar para os filhos de pais pobres. Da Europa, Solano López trazia
engenheiros, mecânicos, escritores, arquitetos, matemáticos, geógrafos. Tudo
isso pensando em habilitar tecnicamente o povo e criar indústrias modernas no
país. De lá também vinham centenas de técnicos industriais, que davam suporte à
criação de vias férreas, escolas de artes e ofícios, fundições metalúrgicas.
Mas “este Paraguai das maravilhas”, nas palavras do historiador Sánchez
Quell, que teria sido logo “o mais brilhante centro de civilização do novo
mundo”, não sobreviveu à catástrofe da guerra da tríplice aliança. A nação Paraguai
sucumbiu aos interesses da oligarquia portenha e montevideana e ao império do
Brasil e da Grã-Bretanha, empenhados em liquidar focos nacionalistas populares
na América do Sul, e especialmente em destruir o modelo paraguaio de
crescimento.
Outro historiador argentino, Milcíades Peña, em seu livro “História
del Pueblo argentino”, também faz uma análise crítica sobre a guerra do
Paraguai, que ele classifica como a última etapa de uma guerra da oligarquia
contra o litoral e as províncias interiores argentinas. No Paraguai, ele
lembra, não existia uma classe tão rica como os estancieiros ou os burgueses
comerciais portenhos, mas sim um Estado, que pelo seu poder econômico e
centralização política, podia competir vitoriosamente com aquelas classes capitalistas
bonairenses, que eram as mais poderosas e prósperas da América do Sul.
O Paraguai oferecia então, explica Peña, uma alternativa distinta e
superior à oligarquia portenha, já que se baseava no desenvolvimento autônomo
da economia nacional com base nas conquistas da civilização europeia,
industrial e capitalista. Mas com a guerra, que contou com a cumplicidade
usurária dos bancos e do comércio ingleses, implodiu a primeira tentativa de
implantação de um capitalismo industrial na América Latina.
Ao fim da guerra, o Paraguai restava ao solo, completamente destruído.
Ao iniciar-se a luta, a nação paraguaia somava um milhão e 300 mil habitantes.
Depois de cinco anos, sobravam apenas 350 mil pessoas, a maioria mulheres. “Nem
em tempos antigos, nem nos modernos, a história registra nada semelhante”,
assinalou o escritor e diplomata venezuelano Rufino Blanco Fombona. Foi uma
guerra para levar a “civilização” ao Paraguai e acabar com a “barbárie” das
estradas de ferro e dos telégrafos, ironiza Carlos Pereyra, no livro “História
para quê?”
*
Jornalista
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