Cantor com samba no
sangue
A composição “Se acaso
você chegasse”, que consagrou de vez o compositor gaúcho Lupiscínio Rodrigues
(hoje mais conhecido Brasil afora como o autor do hino do Grêmio de Porto
Alegre), música que compôs em parceria com Felisberto Martins, se tornou “hit”
da MPB na voz rouca e sensual de Elza Soares. Antes, porém, da excelente
sambista havê-la gravado, muito antes por sinal, essa criação musical já havia
sido estrondoso sucesso, na época de ouro do rádio no Brasil. E quem a gravou
pela primeira vez, e lançou para a fama seus autores e a si próprio, completa
centenário de nascimento no próximo dia 28 – escrevo estas reflexões em 25 de
maio de 2013, três dias antes desse evento – foi um cantor que fez enorme
sucesso na primeira metade do século XX e que hoje (infelizmente) anda um tanto
esquecido. Refiro-me a Cyro Monteiro.
Embora se trate de um
dos meus intérpretes preferidos, entre os integrantes da chamada “Velha Guarda”,
eu dispunha de escassas referências sobre ele, insuficientes para redigir mero
parágrafo, quanto mais um texto um pouco mais extenso. Por isso, para escrever
esta modesta homenagem, recorri aos préstimos de Mário Leônidas Casanova. É
questão de justiça mencionar a fonte onde colhi preciosas referências – de algumas,
eu tinha vagas noções, mas não tinha certeza – com a dupla função de me
esclarecer e de partilhar meus esclarecimentos com os que me honram com a
leitura.
Uma das características
de Cyro Monteiro que mais chamavam a atenção dos que escreviam a seu respeito era
o fato dele fazer de uma reles caixa de fósforos instrumento de acompanhamento
para seus sambas. Muito tempo depois, o sambista paulista (se não me falha a
memória, paulistano) Germano Mathias, também se utilizou desse expediente, com
idêntico êxito. Cyro, porém, fazia misérias com esse objeto que nada tem a ver,
evidentemente, com música.
Outro aspecto que chama
a atenção na biografia desse cantor é a quantidade de artistas em sua família.
Um deles, seu irmão Careno, com quem fez dupla por muitos anos, antes de se
lançar para o estrelato, hoje completamente esquecido, merece pelo menos
menção, pela importância que teve no início da sua carreira. Poucos sequer
lembram que ele ao menos “existiu”. Aliás, por falar em irmãos, Cyro teve nove
(ele era o quarto dos filhos), todos com nomes começados pela letra “C”, alguns
dos quais bastante exóticos.
Outro artista famoso (pelo
menos no seu tempo) da sua família foi seu tio Nonô (Romualdo Peixoto), grande
pianista de samba e compositor dos mais inspirados. Tem mais. Cyro Monteiro foi
tio de um dos mitos da MPB (felizmente ainda vivo) que no auge da carreira,
chegou a ser mais famoso até do que é hoje o “rei” Roberto Carlos. Refiro-me a
Cauby Peixoto, a respeito do qual escrevi, tempos atrás, longo texto, que
partilhei com vocês neste espaço. Como se vê, não lhe faltavam “modelos”,
exemplos, inspirações em seu círculo familiar. Ainda assim... sua carreira
começou praticamente por acaso. Não tinha intenção alguma de seguir vida
artística.
É verdade que Cyro
gostava de cantar (e cantava bem), sempre fazendo dueto com o irmão. Mas cantava,
apenas, como “hobby”, em festinhas íntimas e em restritos círculos de amigos.
Todavia, em certa ocasião, o consagrado Sílvio Caldas (o inesquecível “Caboclinho
Querido”) ouviu os irmãos cantarem e se encantou com o duo. Não vou reproduzir
os passos que levaram o par das apresentações esparsas e sem compromisso ao
rádio. Inicialmente, eles cantavam sempre em dueto. Cyro seguiu carreira e
tornou-se cantor consagrado. Já Careno... não viu futuro na atividade e buscou outro
caminho.
O leitor certamente já
notou que estou redigindo esta caótica resenha de forma nada convencional, ou
seja, do fim para o começo. Vamos, portanto, à informação que deveria ser a inicial.
Cyro Monteiro nasceu em 28 de maio de 1913, na Estação do Rocha, no Rio de
Janeiro. Sua primeira apresentação
pública ocorreu em 1933, na Rádio
Educadora da ex-capital do País, substituindo, a pedido de Sílvio Caldas, a
Luiz Barbosa. Não assinou, porém, nenhum contrato com a emissora nas época. Este só viria a ser assinado em 1934, mas com
a Mayrink Veiga, integrando elenco de astros e estrelas poucas vezes igualado,
que tinha, entre outros, Carmem Miranda, Francisco Alves, Mário Reis, Custódio
Mesquita, Noel Rosa, Gastão Formenti e vai por aí afora. Um timaço de cobras,
não é mesmo?!!!
O primeiro disco que
Cyro gravou, e que “encalhou” nas lojas, foi um samba para o Carnaval de 1936, “Vê
se desguia e perdoa”. Na sequência, porém, viria a gravar dezenas de outros
discos, dos quais, sem nenhum exagero, pelo menos vinte se tornaram campeões de
vendas e líderes das várias paradas de sucesso. Entre estes, cito, um tanto a
esmo, “Sereia de Copacabana” (1948), “Rugas” (1946), “Falsa baiana” (1944), “Boogie-woogie
na favela” (1945) e, claro, “Se acaso você chegasse” (1938, pela gravadora Odeon).
Cyro Monteiro teve uma
bem sucedida experiência como ator, a que não deu sequência, em 1956, na peça “Orfeu
da Conceição”, de Vinícius de Moraes. Com o advento da televisão, participou de
programas famosos, nos anos de 50 e 60, como o “Bossaudade” e “O fino da bossa”.
Morreu jovem, levando em conta os padrões atuais de longevidade, aos 60 anos de
idade, em 13 de julho de 1973. Só espero que os produtores de rádio não deixem
passar em branco o centenário de nascimento desse ícone da MPB, desse cantor
(foi, também, compositor) que entre tantas peculiaridades e características,
tinha o samba no sangue. Cyro Monteiro não merece ser esquecido.
Boa leitura.
O Editor
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Resgate mais do que justo. Conheci o personagem através dos meus pais e sabia da história da caixa de fósforos. Boa homenagem.
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