Democracia de ocasião
* Por
Elaine Tavares
As
eleições no Paraguai dispararam um alarme no quesito democracia. Imediatamente
ao resultado, presidentes de diversos países da América Latina se manifestaram
dando os "parabéns" ao presidente eleito. Cristina Kirchner, da
Argentina, Pepe Mujica, do Uruguai e Juan Manoel Santos, da Colômbia. Com isso,
ao que parece, já estão sinalizando que a Unasur, bem como o Mercosul,
certamente restabelecerão o Paraguai que estava suspenso desde o golpe
parlamentar do ano passado. Conforme se pode ver divulgado em vários jornais,
Cristina praticamente garantiu o retorno e Mujica declarou que "é muito
importante que as eleições tenham ocorrido com normalidade e que o país tenha
vivido a democracia na sua plenitude”. O embaixador Tovar da Silva Nunes, do
Ministério das Relações Exteriores do Brasil também declarou que as eleições
foram uma demonstração inequívoca de civismo.
Ora, isso
não é verdade de forma alguma. Várias denúncias foram formuladas sobre a
vergonhosa compra de votos que ocorreu pelo país afora. Tem até vídeo
comprovando a ação de um senador do Partido Colorado, que teve como punição
apenas a suspensão por dois meses. Então, seria bom fazermos algumas análises
sobre de que democracia estamos falando, pois como dizia Lênin, a democracia
não existe em seu estado puro, ela sempre pede um adjetivo. Nesse caso do
Paraguai, em que comprovadamente as ações ilegais de compra de votos e coerção
aconteceram, qual o adjetivo que haveria de ter a democracia?
Ocorre
que o Paraguai não é a primeira nação a passar por uma situação de golpe nos
últimos anos na América Latina. A Venezuela foi golpeada em 2001, mas
justamente a democracia participativa incentivada pelo presidente Chávez e pelo
bolivarianismo, foi a que jogou as gentes na rua e exigiu a volta do presidente
constitucional.
Depois,
foi a vez de Honduras, que por haver se acercado da Venezuela recebeu o
"castigo" do golpe militar. Mel Zelaya, ainda que saído das elites
latifundiárias, defendia a soberania de Honduras e estava trabalhando para sair
do atoleiro de nação sempre satélite dos Estados Unidos e das empresas
multinacionais. Por esse "crime", pagou com a deposição pelas armas.
Os países da órbita da América do Sul rechaçaram o golpe. O Brasil chegou a
abrigar Zelaya na sua embaixada por muito tempo. Mas, foi só o país chamar
eleições que todo mundo se aquietou. "Agora sim, voltou a
democracia". Não importava que essas eleições tivessem acontecido sem a
participação dos partidos de esquerda, ou que continuassem a ser assassinados
os militantes sociais, sindicalistas, estudantes e jornalistas. As tais das
eleições redimiam tudo.
A
pergunta que fica então é essa: é de eleições que se trata a democracia? Se
elas acontecerem, não importa como, está tudo bem? Pois, ao que parece essa é a
receita que temos visto os Estados Unidos apresentar para os países que não se
alinham com suas políticas ou que tenham alguma riqueza que eles cobiçam. A
democracia que esse país imperial tem exportado para o mundo é a das eleições.
Não importa que seja num mundo em que todo o ethos cultural exija outra forma
de organização, não importa que elas aconteçam sob ocupação militar, com
assassinatos em massa. O que tem de haver é eleição. As formas como elas se
dão, ou o contexto na qual acontecem tampouco importa. Botou voto na urna e já
chamam de "festa cívica".
Na
América Latina já está soando o alerta vermelho. Só não vê quem não quer. Seria
bom que a Unasur pudesse fazer uma longa discussão sobre esse tema porque se
agora foram Honduras e Paraguai, amanhã pode ser a Argentina, ou o Brasil. E o
que todos farão? Chorarão durante o golpe e celebrarão a democracia assim que
eleições sejam chamadas? Fecharão os olhos para as condições objetivas nas
quais estarão se dando as eleições?
Democracia
é muito mais do que eleição. É participação efetiva das gentes. É um sistema de
governo em que o executivo manda obedecendo, sempre conectado com a maioria da
população. É quando a maioria das gentes pode decidir sobre as coisas
importantes que acontecem no país. Quando o poder popular é exercido de forma
livre e sistemática e não apenas de quatro em quatro anos depositando um voto
na urna, muitas vezes em condições de exceção ou subordinados ao poder
financeiro.
Li várias
opiniões nas redes sociais sobre o povo do Paraguai. Que gostam de seguir falsificados,
que não têm cabeça por votar num multimilionário que vai depredar o país, que
são burros e muitas outras coisas depreciativas. Mas, muito pouca gente sabe o
que se passa no Paraguai desde que a Inglaterra, em 1864, incitou Brasil,
Uruguai e Argentina a fazer uma guerra contra o país destruindo quase toda a
sua população. Desde aí, desta vergonhosa invasão - que nem pode ser chamada de
guerra, tamanha a desproporção das forças - que o Paraguai vem servindo de
chacota, como um lugar onde apenas existe contrabando e falsificação.
Ocorre
que o Paraguai tem um povo forte, que resistiu aos mais bárbaros sistemas de
extermínio, que luta por terra, por moradia, por saúde, educação. Tem uma
juventude que lutou bravamente contra o golpe. Tem trabalhadores batalhando por
direitos. Mas, ao mesmo tempo, são acometidos por governos despóticos,
ditaduras militares, e gângsteres. Não é coisa fácil se mover nesse universo,
daí que fica difícil fazer julgamentos sobre as escolhas que fazem nesse
momento ritual de eleição. Os paraguaios que estão em luta sabem muito bem que
a eleição, da forma como acontece, é só um momento ritual, que não define nada.
Nela atuam as forças econômicas, os interesses multinacionais, os embaixadores
obscuros de países ricos. E também há os que se movem com medo, que precisam
proteger as famílias ou o pouco que conseguiram amealhar.
*
Jornalista de Florianópolis/SC
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