domingo, 19 de maio de 2013


Não passamos de presas

* Por Pedro J. Bondaczuk

O homem age como predador, que, no final das contas, de fato é. Contudo, sem que se aperceba, é, simultaneamente, presa. Considero sumamente cruel a lei da natureza que determina que a sobrevivência de qualquer espécie (não importa qual) dependa, inexoravelmente, da extinção de algum tipo de vida.

Quem se alimenta de pedra ou de qualquer outro tipo de mineral? Ninguém, não é mesmo. O único componente da alimentação que não se origina de algum ser vivo é o sal, de que o mar nos provê em abundância. Alguém, mais afoito, talvez se sinta tentado a afirmar que o açúcar também está nesta categoria. Evidentemente, não está. Provém, como até uma criança de quatro anos sabe, ou da cana ou da beterraba ou de algum outro cereal. Origina-se, portanto, de vida.

Algo curioso de se observar é que o sal de cozinha (para sermos mais precisos, o cloreto de sódio) apesar de abundante na natureza, foi tido, num passado nem tão remoto, uma preciosidade, comparável ao ouro. Tanto que as remunerações dos trabalhadores eram feitas com esse produto, o que deu origem à palavra salário.  

Mas, em suma, o homem tem por alimento, exclusivamente, seres vivos (animais e vegetais), aos quais mata para assegurar sua sobrevivência. Deles extrai todos os componentes químicos de que seu organismo necessita para um perfeito funcionamento. Em termos puramente orgânicos, não passamos de máquinas que têm, como fonte energética, o calor gerado pela queima de açúcar em nossas células, decorrente da presença de oxigênio.

Todos os animais, incluindo aí os insetos, agem, instintivamente, para sobreviver e assegurar a sobrevivência da sua espécie, de maneira predatória. Daí a vida se constituir nessa constante batalha entre predador e presa.

O homem, porém, é o único ser vivo que mata espécimes da sua espécie sem ser para se proteger. Fá-lo por diversos motivos, todos, sem exceção, fúteis e banais. Ora elimina um semelhante num momento de incontrolável ira, ora para se apropriar de seus bens ou de sua mulher, ora, até, acidentalmente, sem intenção de matar. E vai por aí afora. Daí, ser considerado (pelo próprio homem, claro) a fera mais perigosa e traiçoeira da natureza (infelizmente).

Todos os seres vivos, no entanto, são, simultaneamente, predadores e presas. Inclusive nós, sem dúvida. É verdade que o tão falado Homo Sapiens mudou bastante seu perfil predatório ao longo do tempo. Passou de caçador a criador. Ou seja, em vez de perseguir e matar os animais cuja carne vai lhe servir para assegurar a sobrevivência, “cria” as espécies que mais aprecia em seu cardápio, como bois, ovelhas, porcos e galinhas, principalmente.

Transformou, portanto, essa atividade em uma indústria. Age dessa forma, todavia, não por eventual sentimento de piedade (longe disso), mas por razões práticas. O principal motivo é para que jamais lhe falte essa ração de carne que tanto aprecia. Em relação a vegetais, deixou de lado a condição de mero coletor para se transformar em produtor.

Aprendeu a amanhar a terra, a separar as espécies mais produtivas e necessárias ao seu cardápio, e criou, dessa forma, a atividade chamada de “agricultura”. Até nisso esse predador implacável leva vantagem sobre os demais animais. Dotado da capacidade de raciocínio, adota a lei do menor esforço. Em vez de sair à caça de suas presas, sem a garantia de que conseguirá matá-las, antes de ser morto por elas, cria-as em cativeiro.

Em vez de sair para a coleta de vegetais e de frutos, sem nenhuma certeza de encontrar aqueles de que necessita, ou aprecia, os produz em abundância. É verdade que esse “menor esforço” nem é tão menor assim. Exige-lhe muito, muitíssimo trabalho e depende, igualmente, de fatores aleatórios que fogem ao seu controle, como o clima, a fertilidade da terra e a excelência das sementes, no caso dos vegetais – e a profilaxia de doenças, a capacidade de reprodução e a saudabilidade dos espécimes, quando se trata de animais.

O homem, no entanto, é o único ser vivo capaz de garantir abundância de presas para o seu consumo. Observe-se que alguns sequer aboliram a caça de vez. Praticam-na, agora, como “esporte”, para aguçar ainda mais (como se fosse necessário) seu inato instinto predatório.

A despeito de ocupar status privilegiado e único na natureza, esse ser perigoso e arrogante, vida que se alimenta de vida, não escapa da inflexível lei natural. Se é predador (e sempre foi, é e será), é, simultaneamente, presa de outro ser vivo. Sua carne é consumida, da mesma forma com que consome a dos outros animais, para assegurar a sobrevivência de outra espécie. O quê? Você está surpreso, meu paciente e fiel leitor? Não deveria! Acha que estou exagerando?! Não estou!     

José de Alencar, no romance “A Pata da Gazela”, destaca essa cruel e inexorável realidade humana, ao constatar: “O que somos nós afinal de contas? Uma presa; enquanto vivos, a presa das moléstias e das paixões próprias ou alheias; depois de mortos, a presa dos vermes ou das chamas”. Há alguma dúvida? Gostemos ou não, portanto, cabe-nos, a caráter, aquela velha constatação dos romanos: “sic transit gloria mundi”... Toda ela, e sempre!



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 

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