A inesperada visita da musa
* Por Daniel Santos
Numa
dessas tardes de domingo, durante a exibição de inofensivo filme de tevê para
crianças, um guri disse ao professor que “meninos têm pênis e meninas têm
vagina”, e isso me tirou uma inesperada gargalhada.
Claro,
o garoto tinha cerca de cinco anos apenas, na sua expressão não observei a
mínima malícia, mas ele sabia que, ao dizer aquilo, fosse qual fosse o sentido
das palavras, divertia a todos, destacava-se na turma.
Na
minha infância não era assim, mas, hoje, a moçada tem aulas de educação sexual;
daí, a suposta precocidade desses inocentes atrevidos que, algumas décadas
atrás, levariam uma boa palmada como corretivo.
Naquela
época, a tal frase do filme de tevê seria “meninos têm pinto e meninas têm ximbica”,
mas seria dita quase em sussurro e, assim mesmo, apenas entre frangotes que
começavam a se preocupar com as diferenças.
O
esclarecimento de hoje derrota a ignorância de ontem – uma ignorância que, nas
crianças, pode resultar em algo próximo à poesia, conforme ocorreu a dois
amiguinhos de rua, quando brincavam na calçada.
Durante
aposta de corrida com carrinhos, um deles caiu de pernas abertas e, sem
perceber, deixou à mostra sua intimidade. O outro olhou e disse “ih, o que você
tem aí é o mesmo que eu tenho aqui!”. E mostrou.
O
tal concordou “é mesmo, tem até aquele colchãozinho embaixo, onde o pinto deita
de noite e dorme!”. Voltaram, então, aos carrinhos, sem desconfiar que a musa
os visitara. Por um segundo, um segundo só.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Lendo seu texto percebe-se como tudo poderia ser mais simples desde antigamente, quando não era. Tudo mudou e para melhor.
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