quinta-feira, 14 de outubro de 2010




Demorou

* Por Marcelo Sguassabia

- Teve uma hora que eu vi o parzinho na íntegra, cara. O vento bateu esquisito, e a blusa dela parecia vela de barco. Quando aconteceu, fez aquele barulhinho de bandeira tremulando. Não tem noção. Foi a cena do bueiro da Marilyn, só que na parte de cima. E eu de cara pregada naquelas duas coisas, iguais e enlouquecedoras.
- E aí?
- Ela viu que eu vi, flagrou o arregalo do olho. Cobriu depressa o patrimônio. Disfarçou, eu não. Uma visão dessa te deixa sem saber o que fazer com as mãos, pra onde correr. Mas correr é a última coisa que passa pela cabeça com aqueles dois olhos de carne te olhando de repente, no susto. Um ar quente e perfumado das lindezinhas guardadas, tesouro abafado posto pra fora. Você não quer que acabe jeito nenhum, quer levar a visão contigo, deixar que te persiga e te incomode. Nunca que a gente acostuma de olhar aquilo sem espanto. O Cara lá em cima inventou esse negócio pra ser mistério mesmo, e pronto.
- Nem. Conta mais aí, reparte direito essa paradinha comigo.
- Foi ir pro céu em dois segundos e voltar, véio. Ninguenzinho, nem de longe, pra cortar o barato. Barulho zero, só umas gaivotas foram chegando ali pelas cinco, quando o sol tava no ensaio e ela já tinha ido embora, me deixando ali largado e pensando no acontecido, daquele jeito de quem quer de novo. A parada foi bem essa. Mingau de sossego e paz, jardim de Alá. Foi por aí, meu. Uma tatoo feita no cérebro.
– Massa... o lance aí te deixou inspiradão, cheio de falar bonito. Quem diria, o rei da biscataiada parado numa mina só.
- Uns gêmeos rosados assim não podem nunca ter câncer, véio. O câncer sonda o material, chapa e desiste de acabar com aquilo. Animal sem pêlo, só penugem fêmea e fina, loirinha que nem de neném. A serviço do papai aqui, aquela carninha tenra detona a larica toda que tiver no mundo. Subindo um pouco uma bocaça meio das antigas, batom forte, tipo Rita Hayworth.
- Tô ligado, femme fatale de filme pb. Cara, essa nega desorienta.
- Duas horas com aquilo e eu me acabo. Subo a escadaria da Penha plantando bananeira. E de costas. Fico refém, manda que eu faço.
- Bota meu nome aí, que um filé desse eu não ligo de ficar com o osso, não. A hora que desocupar, me dá um toque.
- Demorou.


* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

2 comentários:

  1. Esse "demorou" me soa tão carioquês...
    Um texto leve onde apenas uma pequena visão
    fez brotar na personagem uma descrição suave
    mas de grande impacto.
    Abraços

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  2. Descrição bela do encanto que exerceu no protagonista essa parte do corpo feminino. Misturou tudo: desejo, ardor, respeito, encantamento. Foi um completo show.

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