Traduzindo as traduções
A diferença de idiomas – e temos no mundo, entre línguas e dialetos, mais de 20 mil!!! – continua sendo grande empecilho para a comunicação entre os povos, a despeito de todo o aparato tecnológico ao nosso dispor e da profusão de tradutores que há na atualidade. É fato que a evolução dos transportes, notadamente o aéreo, ligando países e continentes em horas, quando até um século atrás se levavam semanas ou até meses, transformou, de fato, o Planeta em “aldeia global”. Mas a profusão de idiomas continua sendo grande obstáculo para o entendimento harmônico entre os povos. Claro que não é só isso, mas essa falta de compreensão é relevante.
Se eu quiser, por exemplo, deliciar-me com um poema de algum poeta chinês – e a China sempre os teve em grande quantidade e de imensa criatividade e sensibilidade –, ou mongol, ou cazaque, ou usbeque ou afegão, terei que recorrer a textos traduzidos, se existirem, pois desconheço rigorosamente essas línguas, com seus múltiplos dialetos. Mas que segurança eu tenho de que a tradução (insisto, caso exista) é literal? De que aquilo que posso ler traduzido em português é a essência do pensamento e da expressão do autor? Nenhuma! Traduzir, principalmente quando se trata de Literatura, não é uma coisa tão fácil como muitos desavisados acreditam.
Eu poderia citar escritores de “n” nacionalidades, que não a minha, e a dificuldade de ler e entender o que escreveram seria sempre a mesma. Até os de idiomas mais difundidos, como o inglês, o francês, o espanhol e o italiano, para citar os mais “populares” (e nos quais consigo compreender, posto que mal e porcamente, o que um sujeito dessas procedências escreve), têm múltiplas passagens duvidosas e obscuras. Esclareço, antes que me superestimem, que não sou tão versado assim em línguas estrangeiras, como minha declaração anterior pode sugerir. Não falo nenhuma língua que não seja o português e leio, com alguma dificuldade, parando inúmeras vezes para refletir, textos em inglês, francês, italiano e espanhol. Mas, parodiando Fernando Pessoa, “minha pátria é a língua portuguesa”, e exclusivamente ela.
Em espanhol me viro um pouco melhor. Pudera! Como nasci na fronteira com a Argentina, num certo período da minha vida falei o mais “castiço” portunhol. Ou seja, essa mistura de espanhol e português, tão usada nas cidades fronteiriças com nossos vizinhos da América do Sul a ponto de já poder ser considerada um dialeto regional. Pelo menos levo uma vantagem sobre o técnico Vanderley Luxemburgo nesse aspecto. Quando o atual treinador do Flamengo comandava o time do Real Madrid, e dava entrevistas, era a coisa mais divertida do mundo! Não era compreendido nem pelos repórteres espanhóis e muito menos pelos brasileiros. No meu caso, pelo menos consigo compreender bem o que falam e escrevem, assim como me fazer entendido, na bela e expressiva língua de Miguel Cervantes.
Outro que se tornou folclórico, ao tentar se expressar num idioma que não o seu, foi o técnico Joel Santana, que atualmente brilha no Botafogo do Rio de Janeiro. Quando comandava a seleção de futebol da África do Sul, era um show dos mais divertidos acompanhar suas entrevistas. Em inglês, claro, porquanto o “afrikaner”... Duvido que conseguisse dizer duas palavras que fossem com a pronúncia correta e inteligíveis.
Brincadeiras a parte, constato que, ao passarmos adiante determinada idéia traduzida – que colhemos alhures, de algum autor inglês (ou norte-americano), francês, italiano ou espanhol (para ficar apenas nas línguas em que consigo ler “alguma coisa” no original e entender o que li), após lhe darmos o devido “polimento” – por mais versados que formos, ou por melhor que seja o tradutor, ela estará “poluída” com erros de enfoque e de entendimento. A quem se apossar dela (se houver alguém que o faça) competirá a tarefa de fazer a devida filtragem antes de passá-la adiante.
Agostinho da Silva escreveu, a respeito, no livro “Textos e ensaios filosóficos”: “O que você vê e ouve ou lê nada mais lhe traz senão matéria-prima de pensamento, já livre de muita impureza de minério bruto, porquanto antes de você, outros pensaram; mas por o pensarem, alguma outra impureza lhe terão juntado”. O escritor português referia-se, no caso, a textos do nosso idioma. Imaginem os traduzidos! A “poluição”, a distorção, a alteração de sentido são muito mais prováveis e comuns.
Temos no Brasil excelentes tradutores, é verdade, desses que dominam perfeitamente o idioma a que se propõem a traduzir e não se perdem nas tantas expressões idiomáticas típicas, que são traiçoeiras armadilhas aos que não são lá muito versados. Todavia, temos, também muitos que são um Deus nos acuda! São, guardadas as proporções, como Vanderley Luxemburgo tentando dar entrevista em espanhol. Ou como Joel Santana, em inglês.
Perguntam-me o que acho das traduções automáticas feitas por computador. Para textos não literários, até que quebram o galho. Mas tentem traduzir, mediante esse recurso, algum poema, digamos, de T. S. Elliot, de William Shakespeare ou de Shelley. É uma tragédia! A tradução transforma-se em autêntico “samba do crioulo doido”.
A professora Nair L. Fobé, que lecionou na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, cita, num dos seus textos, um pitoresco exemplo a propósito desse tipo de tradução: “Lembro-me daquele computador que foi programado para traduzir do inglês para o russo o trecho bíblico bem conhecido que diz que o espírito está preparado mas que a carne é fraca, que, em inglês, é 'the spirit is strong, but the flesh is weak'. A tradução dada pelo computador russo foi 'o whisky está bom mas a vaca morreu'”. Parece brincadeira, mas não é.
Um bom filtro para as idéias que colhermos em textos traduzidos (imperfeito, pois a perfeição nos é interdita) é a razão, aliada à lógica. Desconfie do que não lhe pareça lógico. Saia à cata de explicações. Pesquise outras traduções, para verificar se a que você tem em mãos é a correta ou a que mais se aproxime da correção. Não se dê por vencido até poder comprovar a veracidade e a exatidão da idéia que colheu. Ou seja, de que é exatamente o que o autor pensou e expressou, posto que em sua língua natal. Caso contrário... poderá cair em ridículo. Ao tentar mostrar ao mundo sua erudição (o que é tola manifestação de vaidade), mostrará, de fato, sua soberba ignorância.
Boa leitura.
O Editor.
A diferença de idiomas – e temos no mundo, entre línguas e dialetos, mais de 20 mil!!! – continua sendo grande empecilho para a comunicação entre os povos, a despeito de todo o aparato tecnológico ao nosso dispor e da profusão de tradutores que há na atualidade. É fato que a evolução dos transportes, notadamente o aéreo, ligando países e continentes em horas, quando até um século atrás se levavam semanas ou até meses, transformou, de fato, o Planeta em “aldeia global”. Mas a profusão de idiomas continua sendo grande obstáculo para o entendimento harmônico entre os povos. Claro que não é só isso, mas essa falta de compreensão é relevante.
Se eu quiser, por exemplo, deliciar-me com um poema de algum poeta chinês – e a China sempre os teve em grande quantidade e de imensa criatividade e sensibilidade –, ou mongol, ou cazaque, ou usbeque ou afegão, terei que recorrer a textos traduzidos, se existirem, pois desconheço rigorosamente essas línguas, com seus múltiplos dialetos. Mas que segurança eu tenho de que a tradução (insisto, caso exista) é literal? De que aquilo que posso ler traduzido em português é a essência do pensamento e da expressão do autor? Nenhuma! Traduzir, principalmente quando se trata de Literatura, não é uma coisa tão fácil como muitos desavisados acreditam.
Eu poderia citar escritores de “n” nacionalidades, que não a minha, e a dificuldade de ler e entender o que escreveram seria sempre a mesma. Até os de idiomas mais difundidos, como o inglês, o francês, o espanhol e o italiano, para citar os mais “populares” (e nos quais consigo compreender, posto que mal e porcamente, o que um sujeito dessas procedências escreve), têm múltiplas passagens duvidosas e obscuras. Esclareço, antes que me superestimem, que não sou tão versado assim em línguas estrangeiras, como minha declaração anterior pode sugerir. Não falo nenhuma língua que não seja o português e leio, com alguma dificuldade, parando inúmeras vezes para refletir, textos em inglês, francês, italiano e espanhol. Mas, parodiando Fernando Pessoa, “minha pátria é a língua portuguesa”, e exclusivamente ela.
Em espanhol me viro um pouco melhor. Pudera! Como nasci na fronteira com a Argentina, num certo período da minha vida falei o mais “castiço” portunhol. Ou seja, essa mistura de espanhol e português, tão usada nas cidades fronteiriças com nossos vizinhos da América do Sul a ponto de já poder ser considerada um dialeto regional. Pelo menos levo uma vantagem sobre o técnico Vanderley Luxemburgo nesse aspecto. Quando o atual treinador do Flamengo comandava o time do Real Madrid, e dava entrevistas, era a coisa mais divertida do mundo! Não era compreendido nem pelos repórteres espanhóis e muito menos pelos brasileiros. No meu caso, pelo menos consigo compreender bem o que falam e escrevem, assim como me fazer entendido, na bela e expressiva língua de Miguel Cervantes.
Outro que se tornou folclórico, ao tentar se expressar num idioma que não o seu, foi o técnico Joel Santana, que atualmente brilha no Botafogo do Rio de Janeiro. Quando comandava a seleção de futebol da África do Sul, era um show dos mais divertidos acompanhar suas entrevistas. Em inglês, claro, porquanto o “afrikaner”... Duvido que conseguisse dizer duas palavras que fossem com a pronúncia correta e inteligíveis.
Brincadeiras a parte, constato que, ao passarmos adiante determinada idéia traduzida – que colhemos alhures, de algum autor inglês (ou norte-americano), francês, italiano ou espanhol (para ficar apenas nas línguas em que consigo ler “alguma coisa” no original e entender o que li), após lhe darmos o devido “polimento” – por mais versados que formos, ou por melhor que seja o tradutor, ela estará “poluída” com erros de enfoque e de entendimento. A quem se apossar dela (se houver alguém que o faça) competirá a tarefa de fazer a devida filtragem antes de passá-la adiante.
Agostinho da Silva escreveu, a respeito, no livro “Textos e ensaios filosóficos”: “O que você vê e ouve ou lê nada mais lhe traz senão matéria-prima de pensamento, já livre de muita impureza de minério bruto, porquanto antes de você, outros pensaram; mas por o pensarem, alguma outra impureza lhe terão juntado”. O escritor português referia-se, no caso, a textos do nosso idioma. Imaginem os traduzidos! A “poluição”, a distorção, a alteração de sentido são muito mais prováveis e comuns.
Temos no Brasil excelentes tradutores, é verdade, desses que dominam perfeitamente o idioma a que se propõem a traduzir e não se perdem nas tantas expressões idiomáticas típicas, que são traiçoeiras armadilhas aos que não são lá muito versados. Todavia, temos, também muitos que são um Deus nos acuda! São, guardadas as proporções, como Vanderley Luxemburgo tentando dar entrevista em espanhol. Ou como Joel Santana, em inglês.
Perguntam-me o que acho das traduções automáticas feitas por computador. Para textos não literários, até que quebram o galho. Mas tentem traduzir, mediante esse recurso, algum poema, digamos, de T. S. Elliot, de William Shakespeare ou de Shelley. É uma tragédia! A tradução transforma-se em autêntico “samba do crioulo doido”.
A professora Nair L. Fobé, que lecionou na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, cita, num dos seus textos, um pitoresco exemplo a propósito desse tipo de tradução: “Lembro-me daquele computador que foi programado para traduzir do inglês para o russo o trecho bíblico bem conhecido que diz que o espírito está preparado mas que a carne é fraca, que, em inglês, é 'the spirit is strong, but the flesh is weak'. A tradução dada pelo computador russo foi 'o whisky está bom mas a vaca morreu'”. Parece brincadeira, mas não é.
Um bom filtro para as idéias que colhermos em textos traduzidos (imperfeito, pois a perfeição nos é interdita) é a razão, aliada à lógica. Desconfie do que não lhe pareça lógico. Saia à cata de explicações. Pesquise outras traduções, para verificar se a que você tem em mãos é a correta ou a que mais se aproxime da correção. Não se dê por vencido até poder comprovar a veracidade e a exatidão da idéia que colheu. Ou seja, de que é exatamente o que o autor pensou e expressou, posto que em sua língua natal. Caso contrário... poderá cair em ridículo. Ao tentar mostrar ao mundo sua erudição (o que é tola manifestação de vaidade), mostrará, de fato, sua soberba ignorância.
Boa leitura.
O Editor.
Sempre fiz algumas traduções mas apenas para o meu uso pois o meu espanhol é tosco e o meu inglês é pífio.
ResponderExcluirJamais ousaria a expandir minhas pretensões sem ter
pelo menos um mínimo de preparo.
Falando do Joel Santana! Era muito divertido ouvir
o idioma (ou dialeto?), que ele criou.
Abraços