quarta-feira, 20 de outubro de 2010




Pernambuco em chamas

* Por Marco Albertim

(Resenha – 1ª parte)

Uma varredura na história de Pernambuco, da resistência à dominação holandesa à luta do MST pela reforma agrária. Com o cuidado de estabelecer o liame entre um período e outro, ou de pôr a nu a cultura deixada por uma revolta derrotada e seu reflorir no recontro subsequente. É a maior virtude do livro dos historiadores Rubim Santos Leão de Aquino, Francisco Roberval Mendes e André Dutra Boucinhas – Pernambuco em Chamas. O título convém a quem segue as trilhas, catando miudezas, das mais de trinta revoltas, incluindo conspirações nem sempre surdas que permearam a província. Com cuidados de carpinteiro, para não deixar rebarbas no móvel recém-boleado. Assim, os autores distinguem no “desassombro” do camponês de Pernambuco na Revolta dos Papa-méis, nos Cabanos, na Insurreição Praieira e na Guerra dos Marimbondos, o mesmo que move os do MST.
Vê-se a Praieira desarticulada em seu começo. O uso de táticas de guerrilha - guerra brasílica. Antonio Dias Cardoso, luso-português, é um exímio combatente. Com o cerco ao Recife, os holandeses, sem comida, vão a Tejucupapo atraídos pela mandioca. São expulsos por mulheres lideradas por outra empunhando uma cruz.. Foices, facas, água fervendo e pimenta nos olhos. A guerra da expulsão dos holandeses é financiada pela capitania, com os lucros do açúcar; ainda assim, a Coroa portuguesa se compromete a pagar a indenização de 4 milhões de cruzados em 16 anos, para compensar os holandeses que tiveram os bens tomados. E conceder privilégios a comerciantes flamengos em Portugal.
Os 4 milhões são cobrados aqui, em forma de tributos; também para cobrir as despesas do casamento de Catarina de Bragança, princesa portuguesa. Cabe ao governador Jerônimo de Mendonça Furtado a cobrança. Ele tem bigodes longos, iguais aos do alemão Armand Friedrich von Schomberg, marechal comandando as tropas portuguesas. Mendonça é apelidado pela corrutela schumbergue; como era dado a beber até se embriagar, torna-se antipático. É preso numa procissão e enviado a Portugal; condenado à morte, tem a pena comutada para o degredo na Índia. Por trás, a Revolta contra o Xumbergas.

Francesia e Iluminismo

A Sedição ou Alteração em Pernambuco muda de nome; tirado de uma novela escrita por José de Alencar, conhece-se como Guerra dos Mascates. Também chamados de forasteiros, grumetes, marinheiros, os mascates emprestam dinheiro aos donos de engenhos, os mazombos. Castro Caldas, governador, apoia os mascates. É cercado por mascarados num atentado, e sobrevive ferido. Da Guerra participam, além da elite, “camadas livres e pobres da zona rural.” O pelourinho é derrubado por doze homens cobertos de penas. Senadores são depostos, presos libertados. Dos reinóis arrancam-lhes as insígnias publicamente; alguns escravos o fazem com prazer de alforriados. No hino de Pernambuco diz-se que “a República é filha de Olinda.”
Diz-se que a Conjuração dos Suassuna foi marcada pela influência da Revolução Francesa. Os irmãos Francisco de Paula, Luís Francisco de Paula e José Francisco de Paula – da família Cavalcanti – são acusados de francesia; nada foi provado contra os irmãos.
O Iluminismo presente nas ponderações dos Suassuna ressurge na Revolução de 1817. No fundo, o sufoco decorrente da carga fiscal devida a El Rei, até para pagar a instalação da Corte no Rio de Janeiro. Ainda na memória, o recrutamento de 300 pernambucanos para a conquista da Guiana Francesa. Os sinais do levante se dão na casa do ex-comerciante em Londres, Domingos José Martins. Nos jantares, são proibidas comidas e bebidas portuguesas. É proposto o sequestro de Napoleão Bonaparte, aprisionado na Ilha de Santa Helena; arroubo. O capitão José de Barros Lima, revoltoso, preso, é insultado pelo superior, o brigadeiro português Barbosa de Castro. Mata-o com sua espada. O governador Caetano Pinto refugia-se na Fortaleza do Brum. É instalado o Governo Provisório da República de Pernambuco, integrado por militares, comerciantes, agricultores e magistrados. Domingos José Martins casa-se, faz sua esposa cortar os cabelos à francesa.
Com a reação da Coroa, junto com o boato de que o novo governo pretende libertar os escravos – posto que participara o Regimento dos Henriques, de negros -, há deserções. O povo assusta-se. Os negros são surrados publicamente antes de serem restituídos aos proprietários. Lançado está, porém, o gérmen da Confederação do Equador.
Antes, a Revolução de Goiana, cujos habitantes resistiram a três ataques militares dos holandeses. A vila de Goiana, agora, é cenário da propaganda da regeneração política. Com a adesão de 600 rebeldes vindos de Nazaré da Mata, forma-se um Governo Constitucional Temporário – a Junta de Goiana. Tropas do governo são enviadas à vila. Em Igarassu, juntam-se às da vila por serem todos brasileiros. Em consequência, conclui-se a Convenção de Beberibe.
Os autores argumentam que Pernambuco, “antes mesmo de 7 de setembro de 1822, havia se libertado do domínio português.”

Pernambuco em chamas, por se tratar de compêndio de grossa lombada, com abundância de informações, será abordado aqui por partes. O volume de informações é tamanho que torna alto o risco de omissões numa simples e solitária resenha.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

2 comentários:

  1. Estarei esperando, adoro história.
    Até a próxima.
    Abraços

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  2. Caro Albertim,
    Ótimo o resgate à pernambucanidade. Com isso, despertará ao público jovem, o passado histórico de Pernambuco.
    Parabéns pela iniciativa, em abordar -por partes-
    Pernambuco em Chamas.
    Ficarei "QAP"!
    Abraços do,
    José Calvino
    RecifeOlinda

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