Companheiro de todas as horas
* Por Risomar Fasanaro
Um conto, um poema, o roteiro de um filme, a ideia de um quadro, uma canção. São eles que assaltam os artistas nos locais mais imprevisíveis, mais inconvenientes: embaixo do chuveiro quando você apenas começou a tomar banho, no trem, no metrô, quando você está no caixa do supermercado e não tem onde anotar a frase, o poema, rabiscar uma idéia para um quadro.
E esses assaltantes, ao contrário de tantos outros, não vêm para nos tirar nada, pelo contrário, vêm nos doar.
Algumas vezes surgem quando você está dirigindo, não há nenhum acostamento, e você precisa anotar o poema que de repente surgiu ali, inteirinho- E depois...Cadê os versos, cadê a frase que iria desencadear um conto? Foi-se...
* Por Risomar Fasanaro
Um conto, um poema, o roteiro de um filme, a ideia de um quadro, uma canção. São eles que assaltam os artistas nos locais mais imprevisíveis, mais inconvenientes: embaixo do chuveiro quando você apenas começou a tomar banho, no trem, no metrô, quando você está no caixa do supermercado e não tem onde anotar a frase, o poema, rabiscar uma idéia para um quadro.
E esses assaltantes, ao contrário de tantos outros, não vêm para nos tirar nada, pelo contrário, vêm nos doar.
Algumas vezes surgem quando você está dirigindo, não há nenhum acostamento, e você precisa anotar o poema que de repente surgiu ali, inteirinho- E depois...Cadê os versos, cadê a frase que iria desencadear um conto? Foi-se...
É assim difícil a vida de quem cria.
Acredito que deve ser imenso o número de obras que se perderam por falta de material para anotação. E é em virtude disso que vemos tantas criações ou trechos delas anotadas em maços de cigarro, guardanapos dos bares...
Algumas vezes, ao ver em alguma exposição de arte trechos de um conto, de um romance, o esboço de um quadro de algum dos meus artistas prediletos em delicados cadernos com cantos arredondados, e que eu não sabia de onde vinham, onde eram vendidos, ficava encantada e sentia inveja.
Nos últimos tempos inventaram uma moda de fabricar cadernos imensos, com espiral prendendo as páginas, grossos, capas pesadas, responsáveis pelo número de pacientes nas clínicas de fisioterapia.
São uns cadernos sem graça alguma. Diferentes daquelas brochuras simples que a gente usava na infância, pobrezinhos, mas leves, com o Hino Nacional na contracapa, fáceis de carregar e de manusear.
No início do ano, conversando com algumas amigas sobre a sensação ruim que é essa de ter uma ideia e não ter como registrá-la no momento exato em que ela acontece, perguntei se já havia algum micro-computador que eu pudesse carregar na bolsa e anotar o que me viesse à cabeça. Algo bem pequeno, semelhante a um celular.
Lídia me disse desconhecer, mas sabia de algo que fora utilizado por Van Gogh, Hemingway, Picasso, Oscar Wilde. Algo que ela acreditava resolveria meu problema.
O quê? eu quis saber, mas ela disse que era surpresa. Iria procurar, e quando encontrasse me daria de presente de aniversário.
Fiquei curiosíssima, mas como se tratava de um presente, não poderia perguntar: “encontrou”?
O tempo passou e com ele aumentou a curiosidade. Até que um dia ela me trouxe o presente.
Ao abrir fiquei encantada. Eram dois delicados cadernos. Um rosa claro e outro rosa choque. Uma brochura com costura perfeita, cantos arredondados e pautas bem mais estreitas que as dos cadernos comuns. Molinho e fácil de carregar na bolsa, para tê-lo sempre à mão. Sim, ali estava minha primeira Moleskine.
Dentro, um folheto conta a história do caderno famoso entre os artistas. Imagine o leitor, um caderno tão fino, tão sofisticado, que traz a sua biografia narrada em um encarte.
Aquilo me soou como um pequeno toque: “veja, não sou um caderno comum, tenho uma história, me trate com carinho”.
Trata-se de um caderno tão lindo, que receei não estar à altura dele. Sim porque antes anotava o que escrevo em agendas grossas, com capas duras, que ganhava de brinde de alguma empresa. Isso qundo meus escritos não iam parar no verso de notas fiscais, em guardanaos de bares, nas margens brancas de algum jornal.
É...Agora minha responsabilidade é maior. Estou escrevendo em cadernos iguais aos que antes foram usados por Proust, que ganhou cinco exemplares de Madame Strauss, viúva de Bizet, em 1908, e ali ele fez suas primeiras anotações para “Em Busca do Tempo Perdido”.
Estou escrevendo em cadernos confeccionados em papel “acid fee” que jamais ficarão com as páginas amareladas. Um caderno que nasceu em Tours, na França, mas quando seu idealizador e fabricante faleceu, passou a ser fabricado na Itália.
Sim, agora ele me acompanha em todos os lugares, posso escrever no meio da multidão, em plena sala escura durante a exibição de um filme, dentro do ônibus, do trem... Posso parar no acostamento e anotar uma frase que mais tarde me levará a escrever um conto, uma crônica.
É íntimo, não gosto de mostrá-lo às pessoas, é quase como meu diário, secreto. Ali estão as raizes do que venho escrevendo nos últimos tempos.
Um presente como este que a Lídia me deu, só sabe o valor quem adora o cheiro de um livro novo, ou de um livro velho que evoca recordações. Só entende o que estou dizendo quem cheira um caderno que acabou de comprar.
Só sabe o valor de um presente assim quem escreveu ou quem adora aquele verso do poema de Cabral em que ele compara o caderno a uma criança: “belo como um caderno novo/ quando gente principia...”
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Nos últimos tempos inventaram uma moda de fabricar cadernos imensos, com espiral prendendo as páginas, grossos, capas pesadas, responsáveis pelo número de pacientes nas clínicas de fisioterapia.
São uns cadernos sem graça alguma. Diferentes daquelas brochuras simples que a gente usava na infância, pobrezinhos, mas leves, com o Hino Nacional na contracapa, fáceis de carregar e de manusear.
No início do ano, conversando com algumas amigas sobre a sensação ruim que é essa de ter uma ideia e não ter como registrá-la no momento exato em que ela acontece, perguntei se já havia algum micro-computador que eu pudesse carregar na bolsa e anotar o que me viesse à cabeça. Algo bem pequeno, semelhante a um celular.
Lídia me disse desconhecer, mas sabia de algo que fora utilizado por Van Gogh, Hemingway, Picasso, Oscar Wilde. Algo que ela acreditava resolveria meu problema.
O quê? eu quis saber, mas ela disse que era surpresa. Iria procurar, e quando encontrasse me daria de presente de aniversário.
Fiquei curiosíssima, mas como se tratava de um presente, não poderia perguntar: “encontrou”?
O tempo passou e com ele aumentou a curiosidade. Até que um dia ela me trouxe o presente.
Ao abrir fiquei encantada. Eram dois delicados cadernos. Um rosa claro e outro rosa choque. Uma brochura com costura perfeita, cantos arredondados e pautas bem mais estreitas que as dos cadernos comuns. Molinho e fácil de carregar na bolsa, para tê-lo sempre à mão. Sim, ali estava minha primeira Moleskine.
Dentro, um folheto conta a história do caderno famoso entre os artistas. Imagine o leitor, um caderno tão fino, tão sofisticado, que traz a sua biografia narrada em um encarte.
Aquilo me soou como um pequeno toque: “veja, não sou um caderno comum, tenho uma história, me trate com carinho”.
Trata-se de um caderno tão lindo, que receei não estar à altura dele. Sim porque antes anotava o que escrevo em agendas grossas, com capas duras, que ganhava de brinde de alguma empresa. Isso qundo meus escritos não iam parar no verso de notas fiscais, em guardanaos de bares, nas margens brancas de algum jornal.
É...Agora minha responsabilidade é maior. Estou escrevendo em cadernos iguais aos que antes foram usados por Proust, que ganhou cinco exemplares de Madame Strauss, viúva de Bizet, em 1908, e ali ele fez suas primeiras anotações para “Em Busca do Tempo Perdido”.
Estou escrevendo em cadernos confeccionados em papel “acid fee” que jamais ficarão com as páginas amareladas. Um caderno que nasceu em Tours, na França, mas quando seu idealizador e fabricante faleceu, passou a ser fabricado na Itália.
Sim, agora ele me acompanha em todos os lugares, posso escrever no meio da multidão, em plena sala escura durante a exibição de um filme, dentro do ônibus, do trem... Posso parar no acostamento e anotar uma frase que mais tarde me levará a escrever um conto, uma crônica.
É íntimo, não gosto de mostrá-lo às pessoas, é quase como meu diário, secreto. Ali estão as raizes do que venho escrevendo nos últimos tempos.
Um presente como este que a Lídia me deu, só sabe o valor quem adora o cheiro de um livro novo, ou de um livro velho que evoca recordações. Só entende o que estou dizendo quem cheira um caderno que acabou de comprar.
Só sabe o valor de um presente assim quem escreveu ou quem adora aquele verso do poema de Cabral em que ele compara o caderno a uma criança: “belo como um caderno novo/ quando gente principia...”
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Adoro cadernos e esse seu presente me deixou muito curiosa. Sei que será muito bem aproveitado, Risomar. Beijos
ResponderExcluirEsse texto está maravilhoso, Risomar! " É assim difícil a vida de quem cria". mas muito gratificante também! Lindo! Parabéns! Beijos!
ResponderExcluirSempre fui apaixonada por cadernos. Deu saudade dos belos tempos escolares. Quanto às ideias, elas pouco me assaltam. Costumo pensar sobre o que vou escrever durante um dos dois a três banhos do dia, enquanto ouço rádio. Quando saio, anoto, e sendo possível, venho ao computador esboçar as primeiras direções. Depois acontece a fase de ampliação e por fim o enxugamento. Mas de vez em quando escrevo em papeis que deixo espalhados em cantos estratégicos da casa. No consultório só trabalho de caneta na mão, então...
ResponderExcluirGosto de cadernos...gosto de papel
ResponderExcluire se neles houver um mínimo de espaço
eu os aproveito e assim dentro de uma
caixinha de madeira os meus poemas
trocam idéias entre si.
Ótimo texto Riso.
Beijos