Imagem e semelhança
* Por Daniel Santos
Mãos postas,
olhar pio, a carola tinha expressão seráfica na igreja onde pedia por si e
pelos seus, embora sem esperanças de um aceno sequer da divindade nem mesmo de
um discreto sorriso de condescendência.
Sentia-se, por
isso, solitária, diminuta, diante do Deus impassível e monumental, pronto a
fulminá-la ao menor deslize. Amargava, assim, certo desamparo durante as
orações, uma inconsolável sensação de distância.
Às tantas, olhou
ao redor, a ver se reconhecia alguém que a pudesse confortar. Ninguém. Ou
melhor, apesar de estranha, uma criaturinha peluda com patas de bode acenou-lhe
por trás da pilastra do templo.
Não era belo, o
coisa. Mas sorria, mostrava-se receptivo e, com cabriolagens tão irreverentes
quanto graciosas, pedia conivência. A carola benzeu-se, sorriu em resposta e
rogou-lhe atendimento a seus pedidos.
Saíram à rua e
meteram-se num beco, onde arriaram oferendas. Ao sair de lá, a mulher parecia
grata, confiante. Voltou, enfim, a casa em paz com Deus. Mais ainda, com suas
prementes necessidades humanas.
* Jornalista carioca. Trabalhou
como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da
"Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo".
Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Pelo menos uma parcela das suas aflições foi atendida.
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