Pirolito
* Por
Alberto Faria
A João Luso
Nos Cantos populares
do Brasil, de Sílvio Romero, encontra-se a quadrilha:
Pirolito que bate, que
bate,
Pirolito que já bateu:
Quem gosta de mim é
ela,
Quem gosta dela sou
eu.
O coletor patrício não
a acompanhou de explicação particular, enxertando-a na série dos "Versos
gerais", cuja rubrica é: "Origens - do português e do mestiço;
transformações pelo mestiço". Só o fato de acharmo-la também nas
coletâneas de Portugal, sem diferença mínima, certifica-nos da procedência
exata.
Mas em nossa
ex-metrópole corre outra, de maior ancianidade, da qual cumpre considerá-la
mera variante. E é essa que nos fornece a chave do sentido afetuoso, uma imagem
comparativa tomada ao reino vegetal.
Ouçam-na, antes da
revelação:
Loreiro que bate, bate
Loreiro que já bateu.
Loreiro que bate, bate
Num amor que já foi
meu.
O povo assimilou o
gesto das mulheres doidivanas e presumidas, em vendo os apaixonados, aos
movimentos dos ramos sobremodo flexíveis, apenas tangidos pela aragem. E a
memória de D. Francisco Manuel de Mello, seiscentista ilustre, reclama a
prioridade desta interpretação perfeita, visto como se lê na Carta de guia de
casados, cap. VII ("Das várias castas de mulheres"):
"Mulheres há
leves e gloriosas, prezadas do seu parecer: loureiras cuido que lhes chamavam
os nosso antigos, por significar que a qualquer bafejo do vento se
moviam."(1)
Às compartícipes do
namoro de antanho, menos artístico que o flirt moderno, no furtivo dos olhares
eletrizantes, pegou a antonomásia de loureiras, em vez de piroliteiras, porque
só mais tarde o pirolito, na forma alterada do pirlito, substituiu na cantiga o
loureiro, loreiro da pronúncia velha.
Isto ressalta da
simples aproximação dos dois espécimens, alhures feita antes por outrem.
Em São Paulo,
acrescenta-se ao primeiro traslado um outro, cuja essência é quase igual à do
segundo, corroborando destarte a identificação: arquivou-o D. Alexina de
Magalhães Pinto, à pág. 143 de Nosso brinquedos:
Pirolito que bate,
bate,
Pirolito que já bateu:
A menina que eu amava,
Coitadinha! já morreu.
No vizinho Estado de
Minas, consoante registro da distinta professora, loc. cit., o pirolito
cambiou-se em fiorito. O fenômeno caracteriza a apropriação, como já em 1873
notava Celso de Magalhães: "O povo, no trabalho da transplantação,
transforma primeiro aquilo que lhe impressiona mais os sentidos, e a natureza
que o cerca é a primeira a fornecer símiles para essa elaboração." Assim
se explica a mudança de juncal para capinzal, no ressabido conto da Madrasta,
etc.
A despeito da graciosa
lição centenária, que referimos há pouco ainda, as moças bonitas podem
conservar-se à janela, mesmo quando crianças, batendo palminhas, imitantes a
entrechoques de ramagens, entoem na rua o Pirolito que bate, bate... Ao
repetirem a brejeirice dos adultos, elas fá-lo-ão inconscientemente, sem
suspeitar que alguém porventura aguarda o simbólico transvôo de algum
passarinho verde!
(1) É desacertada, à
plena evidência, a ementa de Filinto Elísio, Obras completas, ed. de Bobée,
Paris, 1818, t. V, pág. 97:
"Loureiras chama
D. Francisco Manuel (no Guia de casados) as mulheres que os franceses chamam
femmes galantes. Creio que a razão de lhes dar esse título é tirada do costume
dos taverneiros, que põem louro à porta, como sinal; a que na Lógica, que eu
aprendi, chamaram ex-instituta."
(Aérides, 1918.)
*
Jornalista, professor, crítico, folclorista e historiador. Membro da Academia
Brasileira de Letras.
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