Tempus fugit
* Por Pedro J. Bondaczuk
Acordei, nesta manhã de quinta-feira, com uma expressão
latina me “verrumando” o cérebro, perfurando-o, corroendo-o e não me saiu do
pensamento um só instante, até agora: “tempus fugit”. Por que penso tão
insistentemente nisso? Não sei! Sei que o poeta romano Virgílio utilizou essa
expressão em suas “Geórgicas”. Mas faz um bom tempo que não releio este
maravilhoso livro. Mas decorei várias de suas passagens. Seria Virgílio, no
além, me instando a não esquecê-lo? Se for... Ora, ora, ora, venerado mestre, é
desnecessária sua exortação. Como eu poderia esquecer o guardião e guia de
Dante Aligheri pelos caminhos do Inferno, do Purgatório e do Céu, em sua
“Divina Comédia”?!
Não, decididamente, não é o espírito de Virgílio me cobrando
mais atenção para seus inspirados versos. Até porque, ele não se expressou, nas
Geórgicas, com apenas essas duas palavras. O verso em que elas aparecem é,
literalmente, este: “Sed fugit interea fugit irreparabile tempus” que, numa
tradução mais ou menos livre (ainda não me esqueci das aulas de latim da
adolescência), quer dizer: “Mas ele foge; irreversivelmente o tempo foge”. E
foge mesmo! E como foge! Haveria alguma forma de detê-lo? Seria possível fazer
a Terra parar de girar, mesmo que por fração de segundos? Não! Não mesmo! Claro
que não!
Se não é por causa de Virgílio, por que essa expressãozinha
pernóstica continua me amofinando, como o tic-tac do relógio de parede que está
bem à minha frente no meu gabinete de trabalho? E a coisa continua ritmada em
meu cérebro. Posso até ouvir uma voz, embora eu esteja rigorosamente sozinho,
seguindo o ritmo dos ponteiros: tempus (tic) fugit (tac). Ainda se fosse alguma
melodia que ressoasse nas abóbodas do cerebelo, eu entenderia. Volta e meia,
desperto com uma canção diferente no ouvido, que teima em me fazer cantarolá-la
o dia todo.
Com você, leitor amigo, não ocorre, às vezes, a mesma coisa?
Você não desperta, em determinado dia, com uma palavrinha que ouviu não sabe
onde (e certamente a ouviu e seu cérebro registrou, se não, não a estaria
repetindo e com tamanha insistência)? Não negue! Claro que isso já aconteceu
com você. Acontece com todo o mundo. Talvez você não esteja prestando atenção
(não pelo menos a devida) ao o que ocorre em seu interior.
Caso quisesse escrever a respeito da expressão latina,
poderia redigir até um tratado. O tempo é, certamente, se não o tema que mais
explorei em minha literatura, um dos que mais vezes abordei. Mesmo não sendo
nada concreto... Não passa de metáfora, de mera convenção humana, embora
possamos senti-lo, sofrer seus efeitos, quase apalpá-lo até. Tempus (tic),
fugit (tac), continua a expressãozinha, como um mantra, como os sons de um
tambor, ou de um carrilhão repercutindo no cérebro.
Ah, mestre Virgílio, prometo lê-lo tão logo consiga pôr
ponto final nestas divagações (ou seriam elucubrações?) e, dessa forma,
retornar ao meu normal. Mas... o que é normalidade? O que é sanidade? O que é
loucura? Em certa medida, somos todos um tanto destemperados, meio que malucos.
Como na história do “Alienista”, do mestre Machado de Assis, estamos fora da
Casa Verde, é verdade. Todavia, os que lá estão, tidos e havidos como malucos,
é que são os lúcidos. Loucos somos nós, que estamos fora dela.
Que o tempo foge, sem a mais remota possibilidade de
retenção, é óbvio! Num átimo de segundo dou-me conta, por exemplo, que logo,
logo será Natal. E eu que ainda não “digeri” na mente os acontecimentos do
Natal anterior, que me parece ter sido ontem. Ou há poucas horas, sei lá.
De repente, dou-me conta que já se passaram seis meses da
inauguração do meu novo e funcional gabinete de trabalho, com o qual vinha
sonhando há anos, e que, finalmente, pude montar. E do jeitinho que planejei,
com equipamentos informáticos novinhos em folha, de primeiríssima qualidade
(computador de última geração, impressora, copiadora, scanner e toda a
parafernália moderna que facilita sobremaneira nossa vida, de intelectuais do
século XXI). Parece que foi ontem que eu vivia a expectativa de estrear as
novas máquinas, o novo espaço, o novo mundo restrito e particular que construí
para mim. Se bobear... a esta altura
todo o equipamento já pode estar defasado, tão rápidas são as inovações
nesse campo tecnológico.
Pois é, tempus fugit. Mais um aniversário meu está às
portas, lembrando-me dessa verdade. Não sei se por delicadeza (acredito que
sim), todos os que me cercam asseguram que o tempo não me modificou em nada
(como esse pessoal é mentiroso!). “Caramba, Pedrão, o que você anda tomando?!
Está sem cabelos brancos e nem tem rugas no rosto”, exclamou, outro dia (ou
seria no ano passado?) um amigo que não sai aqui de casa. Sei lá! Ademais, nem
sempre cabelos grisalhos são o melhor termômetro para medir a passagem do
tempo. É questão de nível adequado de melanina. Se você o tiver, sua cabeleira
permanecerá na cor natural, livrando-o do vexame de ter que pintá-la. Caso
contrário... Conheço muito garotão com os cabelos totalmente grisalhos. Como
explicar?
Eureka!!!! Descobri porque a tal expressão latina não me sai
da memória desde que acordei. A explicação está no relógio de parede, bem à
frente da minha escrivaninha. É óbvio!!! Trata-se de uma peça “antígona”, posto
que muitíssimo bem-conservada, como se houvesse saído da fábrica ontem. Acima
do mostrador dos ponteiros, em algarismos romanos, há uma águia estilizada em
pleno vôo, carregando nas garras uma faixa com alguns dizeres. E sabem o que
está escrito nela? Pois é... está escrito, exatamente, “tempus fugit”. Nada mau
para suscitar reflexão, não é mesmo?!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
O tempo não para, mas você afirma que ele não existe. Sim, é convenção. Não é o tempo que passa. Passamos nós.
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