Criar é preciso
* Por Pedro J.
Bondaczuk
O processo de criação literária e,
principalmente, o teor do que é criado, dependem muito de cada escritor. Têm a
ver com sua cultura, sua vivência, sua autodisciplina, seu talento e com os
ambientes que freqüentou, as pessoas que conheceu e seu grau de observação,
além do óbvio: sua técnica, seu estilo, seu domínio do idioma e sua visão de
vida. Por outro lado, cada gênero (poesia, crônica, ensaio, conto, novela e
romance) tem seus próprios macetes, suas peculiaridades, suas regras
características. O que deve prevalecer, acima de tudo, é o bom gosto. Para ter
sucesso, é necessário que a obra literária tenha a capacidade natural de
prender a atenção do leitor. E, mais do que isso, fazer dele um cúmplice, uma
espécie de parceiro do ato criativo, o que é muito mais difícil do que parece.
O escritor deve ter um objetivo, ao
produzir suas obras, que vão além do aspecto comercial, da simples venda de
livros para garantir seu sustento. Aquilo que escreve precisa ter alguma
utilidade: ou a de ensinar, ou a de divertir, ou a de provocar reflexão ou,
quando possível, todas elas simultaneamente. De todos os gêneros, o que tem mais
pessoas se aventurando nele, e no entanto é o mais difícil, o que menos rende
(quando rende) e o que mais exige do autor, é a poesia. Todo adolescente normal
ou já perpetrou alguns versinhos para homenagear a amada ou sentiu-se tentado a
fazê-lo. E quando não fez uma coisa e nem outra, certamente copiou versos
alheios com o mesmo objetivo. Nem por isso, contudo, essa pessoa é considerada
poeta. Pode até ser, mas não por essa razão. E nem tudo o que copiou (quando
esse foi o caso), ou produziu é poesia, embora tenha essa forma.
O gênero é perigoso e pode conduzir
qualquer um à pieguice, ao lugar-comum e, em última análise, ao ridículo. Mesmo
os poetas que têm domínio dessa arte correm esse risco. Ás vezes compõem obras
que para o seu gosto são magistrais. E no entanto, por uma razão subjetiva, sem
explicação racional e lógica, tais poemas não repercutem. Morrem à míngua de
leitores. Pelo contrário, há ocasiões em que rabiscam as primeiras palavras que
lhes vêm à mente em algum guardanapo de restaurante, inserem esses textos
despreocupados em livros para completar um determinado número de páginas e
obtêm, exatamente através deles, a consagração.
E não adianta a opinião dos críticos.
Meus primeiros poemas foram considerados "retóricos e discursivos".
Até hoje não sei o que esse cidadão pretendeu dizer. Mas, afinal, o que é a
poesia senão um jogo hábil de palavras? Senão um bem elaborado discurso? Senão
um exercício de retórica? Para expressar idéias, temos o ensaio. Para contar
estórias, há o conto, a novela e o romance. Para estabelecer um diálogo
descontraído e trivial com o leitor, recorremos à crônica. A poesia é a criação
de imagens através das palavras. Por isso seus movimentos, suas escolas, seus
diversos "ismos", emprestam a denominação da pintura: concretismo,
dadaísmo, cubismo, etc... Há críticos que acham que só fazem bem o seu trabalho
quando criticam, mesmo o que não seja criticável. Alguns sequer entendem o que
estão criticando.
André Maurois observa no livro
"Vozes da França": "A função do poeta é dar às palavras o seu
valor harmônico e criar de novo, com o auxílio delas, associando-as,
substituindo-as, surpreendendo-as em posições inéditas, o ar de mistério de que
originariamente se cercavam". Eu, pessoalmente, tenho alguns macetes para
determinar se um poema meu é bom ou ruim. É na base do "gosto" ou
"não gosto". Uma das atitudes é guardá-lo em uma gaveta durante,
digamos, três meses, antes de decidir se terá existência ou será
destruído. Se após esse período, o texto me der o mesmo prazer que deu quando o
escrevi, sobrevive. Caso contrário, o rascunho é simplesmente amassado e jogado
no lixo. Tenho casualmente em mãos um deles, dessa lista de espera, que
intitulei "Desafios" e que foi escrito em 23 de setembro de 1995.
Por coincidência, gostei dele (embora o
leitor possa detestá-lo). Para evitar que "morra", tomo a liberdade
de transcrever esses versos:
"Fazer
da vida sinfonia heróica.
Calar
a voz irada do instinto.
Dar
harmonia a ásperas dissonâncias.
Criar
beleza das sucatas do tempo.
Desafios.
A batalha é solitária.
Drama
ensandecido de zumbis
num
palco composto por miragens.
Silêncio:
um anjo agoniza
em
copiosa hemorragia de luz.
Figuras
soturnas, sombrias
vagam,
ensimesmadas e mudas,
por
vielas sombrias, fétidas,
perdidas
nos meandros do vício.
Multidões
desorientadas, em fúria,
vociferam
slogans sanguinários,
mantras
homicidas de violência:
rebelião
de marionetes sem cabeça.
Fornalha
que consome ilusões,
reduz
a cinzas esperanças,
princípios,
éticas e tradições.
Fazer
da vida sinfonia heróica.
Calar
a voz irada do instinto.
Dar
harmonia a ásperas dissonâncias.
Desafios...Tarefas
de uma vida...".
Imagens, puras imagens. A poesia é
isso: é a arte de pintar emoções com palavras.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Melhorando, mas ainda brigando para entender poesia.
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