Sabedoria e astúcia
O político, filósofo e ensaísta inglês Francis
Bacon escreveu, em um de seus tantos e esclarecedores ensaios, em meados do
século XVI: “Nada provoca mais danos num Estado do que homens astutos a
quererem passar por sábios”. Essa constatação é apropriada não apenas para a
política, mas para praticamente tudo na vida. Astúcia e sabedoria são coisas
muito distintas, embora muitos as considerem sinônimas, o que, obviamente, não
são. Confundi-las é um perigo enorme, pelos males que a confusão tende a causar
em determinados casos. Isso não impede, porém, que o sábio se valha da astúcia
(mas em seu melhor significado) em algumas circunstâncias, como estratégia de
ação visando o bem comum. Mas, nesse caso, sem jamais passar por cima da ética.
Para melhor entendimento do significado
da constatação feita por Bacon é indispensável que se definam, com clareza e
sem nenhuma dubiedade, os dois conceitos. Esse é o único procedimento sábio dos
bons escritores, cuja característica definidora não é, como os desavisados
pensam, escrever textos bombásticos, sonoros, com belas palavras e metáforas
expressivas (posto que despidas de conteúdo), que agradam o ouvido, mas nada
nos acrescentam. É a precisão, a ausência de qualquer ambigüidade, a absoluta
clareza e a desejável simplicidade no que escrevem. É a capacidade de escrever
com elegância (que não é proibida), porém sem nunca abrir mão da exatidão, do
ensinamento, do conteúdo na explanação de idéias, conceitos e informações.
O que vem a ser, afinal, a tal
sabedoria, da qual tantos falam e nem todos compreendem? Posso defini-la,
grosso modo, como “o dom que nos permite discernir qual o melhor caminho a
seguir, qual a melhor atitude a adotar, nos diferentes contextos que a vida nos
apresenta”. A palavra deriva do grego “sofia” (estudo, conhecimento) que, por
sua vez, vem de “sophos” (sábio). Significa “aquilo que o sábio possui”. O
latim tem a palavra “sapere” para expressar sabedoria. O filósofo Aristóteles
também empregava a expressão “phronesis”, citada em sua obra “Ética a Nicômaco”.
Utilizava-a, porém, em um contexto específico. Para definir a “sabedoria
prática”, ou seja, a habilidade que alguém tivesse para agir da maneira mais
acertada.
E astúcia, o que vem a ser? Basicamente,
é a habilidade de quem não se deixa
enganar. É sinônima de: agudeza, ardil,
argúcia, artifício, esperteza, finura, lábia, manha, sagacidade, solércia, sutileza,
traquinice e tropelia. Seu lado negativo e não recomendável fica ainda mais
claro se atentarmos para seu antônimo: é o contrário de correção, dignidade,
direiteza, honestidade, honra, retidão e rigor. Óbvio que tais atitudes são
abomináveis e jamais recomendáveis. Muito pelo contrário. A sabedoria,
frise-se, não é privilégio, monopólio, exclusividade dos doutos, dos eruditos,
dos hiper bem-informados.
As pessoas simples, que jamais tiveram
acesso ao crescente e quase infinito acervo de informação hoje ao nosso dispor
(às vezes sequer às primeiras letras) – muitas vezes sábias sem que nem mesmo
se dêem conta – acham, na sua simplicidade, que esse dom precioso só é
acessível aos letrados. Ou seja, aos que freqüentaram e frequentam bibliotecas
e escolas e que conhecem um pouco de tudo (ou tudo de tudo). Não é bem assim.
Cultura e informação não são sinônimas de sabedoria. Sábio é quem sabe aproveitar
os conhecimentos que adquire, por ínfimos que sejam, em sentido prático. Ou
que, apenas pela intuição, descobre os melhores caminhos do bem-viver. Há muita
gente com extensíssima coleção de diplomas que não enxerga um palmo adiante do
nariz. Samuel Taylor Coleridge resumiu, nestas palavras, a essência da
sabedoria: “Senso comum em grau incomum é o que o mundo chama de sabedoria”.
O verdadeiro sábio (não confundir com o
meramente erudito), é sensível, bem-humorado e, sobretudo, humilde. Não assume
posturas arrogantes, de pretensa superioridade, típica dos que têm sérias
deficiências de caráter. Respeita todas as pessoas, seja qual for sua condição
social ou cultural. Sua sabedoria é natural, espontânea e reflete-se, não só no
que diz, mas, sobretudo, na sua conduta cotidiana. O verdadeiro sábio sequer
tem noção que o seja. O reconhecimento parte dos que têm o privilégio da sua
enriquecedora convivência. Como mortal, tem
deficiências e fraquezas, que admite sem nenhum constrangimento, mas que
tenta corrigir ao longo da vida. Gibran Khalil destaca, em um poema: “Protegei-me
da sabedoria que não chora, da filosofia que não ri e da grandeza que não se
inclina perante as crianças”.
A sabedoria é inata, como a
inteligência, ou adquirida, como a cultura? Creio que a resposta óbvia seja a
segunda alternativa. Ou seja, ninguém nasce sábio, mas pode se tornar um, com
esforço, dedicação e persistência. E existe algum caminho para se atingir essa
tão desejável condição? Sim, existe, e não somente um. Concordo com Confúcio (e
nem poderia ser diferente, não é mesmo?), que aponta três formas básicas de se
adquirir sabedoria. Contudo, como tudo na vida, sempre há um caminho que é mais,
confortável e seguro, e outro que é complicado, penoso e cheio de acidentes. A
tendência humana, salvo raras exceções, é a de sempre optar pelo que é mais
difícil, achando que está escolhendo o fácil. O sábio chinês, quando indagado
por seus discípulos a propósito, respondeu: “Há três métodos para ganhar a
sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação,
que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo”.
A astúcia, se e quando posta a serviço
de causas nobres que tragam benefícios à coletividade e à civilização, é,
portanto, atitude válida e desejável. Porém, nem nessa circunstância pode e nem
deve ser confundida com sabedoria. Pode, em alguns casos, ser tênue lampejo
desta. Mas apenas isso. Há muito imbecil, muito ignorante, muito indivíduo
tapado como uma toupeira que é astuto como uma raposa. Não é, pois, a quantidade
de informações que você detém, nem quantos diplomas conseguiu e muito menos a
esperteza com que você atua em sociedade que faz de você um sábio. Concordo,
pois, com a definição de André Malraux, que afirmou. “A sabedoria é o
conhecimento temperado pelo juízo". E não é?!!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Sabedoria seria julgar e escolher o melhor caminho.
ResponderExcluir