quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Sabedoria e astúcia


O político, filósofo e ensaísta inglês Francis Bacon escreveu, em um de seus tantos e esclarecedores ensaios, em meados do século XVI: “Nada provoca mais danos num Estado do que homens astutos a quererem passar por sábios”. Essa constatação é apropriada não apenas para a política, mas para praticamente tudo na vida. Astúcia e sabedoria são coisas muito distintas, embora muitos as considerem sinônimas, o que, obviamente, não são. Confundi-las é um perigo enorme, pelos males que a confusão tende a causar em determinados casos. Isso não impede, porém, que o sábio se valha da astúcia (mas em seu melhor significado) em algumas circunstâncias, como estratégia de ação visando o bem comum. Mas, nesse caso, sem jamais passar por cima da ética.

Para melhor entendimento do significado da constatação feita por Bacon é indispensável que se definam, com clareza e sem nenhuma dubiedade, os dois conceitos. Esse é o único procedimento sábio dos bons escritores, cuja característica definidora não é, como os desavisados pensam, escrever textos bombásticos, sonoros, com belas palavras e metáforas expressivas (posto que despidas de conteúdo), que agradam o ouvido, mas nada nos acrescentam. É a precisão, a ausência de qualquer ambigüidade, a absoluta clareza e a desejável simplicidade no que escrevem. É a capacidade de escrever com elegância (que não é proibida), porém sem nunca abrir mão da exatidão, do ensinamento, do conteúdo na explanação de idéias, conceitos e informações.

O que vem a ser, afinal, a tal sabedoria, da qual tantos falam e nem todos compreendem? Posso defini-la, grosso modo, como “o dom que nos permite discernir qual o melhor caminho a seguir, qual a melhor atitude a adotar, nos diferentes contextos que a vida nos apresenta”. A palavra deriva do grego “sofia” (estudo, conhecimento) que, por sua vez, vem de “sophos” (sábio). Significa “aquilo que o sábio possui”. O latim tem a palavra “sapere” para expressar sabedoria. O filósofo Aristóteles também empregava a expressão “phronesis”, citada em sua obra “Ética a Nicômaco”. Utilizava-a, porém, em um contexto específico. Para definir a “sabedoria prática”, ou seja, a habilidade que alguém tivesse para agir da maneira mais acertada.

E astúcia, o que vem a ser? Basicamente, é a  habilidade de quem não se deixa enganar. É sinônima  de: agudeza, ardil, argúcia, artifício, esperteza, finura, lábia, manha, sagacidade, solércia, sutileza, traquinice e tropelia. Seu lado negativo e não recomendável fica ainda mais claro se atentarmos para seu antônimo: é o contrário de correção, dignidade, direiteza, honestidade, honra, retidão e rigor. Óbvio que tais atitudes são abomináveis e jamais recomendáveis. Muito pelo contrário. A sabedoria, frise-se, não é privilégio, monopólio, exclusividade dos doutos, dos eruditos, dos hiper bem-informados.

As pessoas simples, que jamais tiveram acesso ao crescente e quase infinito acervo de informação hoje ao nosso dispor (às vezes sequer às primeiras letras) – muitas vezes sábias sem que nem mesmo se dêem conta – acham, na sua simplicidade, que esse dom precioso só é acessível aos letrados. Ou seja, aos que freqüentaram e frequentam bibliotecas e escolas e que conhecem um pouco de tudo (ou tudo de tudo). Não é bem assim. Cultura e informação não são sinônimas de sabedoria. Sábio é quem sabe aproveitar os conhecimentos que adquire, por ínfimos que sejam, em sentido prático. Ou que, apenas pela intuição, descobre os melhores caminhos do bem-viver. Há muita gente com extensíssima coleção de diplomas que não enxerga um palmo adiante do nariz. Samuel Taylor Coleridge resumiu, nestas palavras, a essência da sabedoria: “Senso comum em grau incomum é o que o mundo chama de sabedoria”.

O verdadeiro sábio (não confundir com o meramente erudito), é sensível, bem-humorado e, sobretudo, humilde. Não assume posturas arrogantes, de pretensa superioridade, típica dos que têm sérias deficiências de caráter. Respeita todas as pessoas, seja qual for sua condição social ou cultural. Sua sabedoria é natural, espontânea e reflete-se, não só no que diz, mas, sobretudo, na sua conduta cotidiana. O verdadeiro sábio sequer tem noção que o seja. O reconhecimento parte dos que têm o privilégio da sua enriquecedora convivência. Como mortal, tem  deficiências e fraquezas, que admite sem nenhum constrangimento, mas que tenta corrigir ao longo da vida. Gibran Khalil destaca, em um poema: “Protegei-me da sabedoria que não chora, da filosofia que não ri e da grandeza que não se inclina perante as crianças”.

A sabedoria é inata, como a inteligência, ou adquirida, como a cultura? Creio que a resposta óbvia seja a segunda alternativa. Ou seja, ninguém nasce sábio, mas pode se tornar um, com esforço, dedicação e persistência. E existe algum caminho para se atingir essa tão desejável condição? Sim, existe, e não somente um. Concordo com Confúcio (e nem poderia ser diferente, não é mesmo?), que aponta três formas básicas de se adquirir sabedoria. Contudo, como tudo na vida, sempre há um caminho que é mais, confortável e seguro, e outro que é complicado, penoso e cheio de acidentes. A tendência humana, salvo raras exceções, é a de sempre optar pelo que é mais difícil, achando que está escolhendo o fácil. O sábio chinês, quando indagado por seus discípulos a propósito, respondeu: “Há três métodos para ganhar a sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo”.

A astúcia, se e quando posta a serviço de causas nobres que tragam benefícios à coletividade e à civilização, é, portanto, atitude válida e desejável. Porém, nem nessa circunstância pode e nem deve ser confundida com sabedoria. Pode, em alguns casos, ser tênue lampejo desta. Mas apenas isso. Há muito imbecil, muito ignorante, muito indivíduo tapado como uma toupeira que é astuto como uma raposa. Não é, pois, a quantidade de informações que você detém, nem quantos diplomas conseguiu e muito menos a esperteza com que você atua em sociedade que faz de você um sábio. Concordo, pois, com a definição de André Malraux, que afirmou. “A sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo". E não é?!!!!


Boa leitura.


O Editor.

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