Vida decidida no cara ou coroa
A carreira militar determinou o futuro de Ambrose Bierce,
primeiro no jornalismo e, posteriormente, na Literatura. Bem, não foi
propriamente ela, mas a decepção que a mesma lhe causou e como ele agiu em conseqüência
dela. O futuro jornalista e escritor foi preterido em uma promoção, que contava
como certa, e, decepcionado (na verdade, despeitado) decidiu o que fazer da
vida, na sequência, na base do “cara ou coroa”. Não, todavia, figurativamente,
como o leitor possa imaginar. Fê-lo literalmente!!! Estava, então, com 24 anos
de idade. Comecemos pelo começo essa narrativa insólita (como tudo na vida dessa
figura exótica, que odiava a humanidade, mas que era dotada de um talento
absurdamente excepcional).
Quando Ambrose Bierce estava com 15 anos de idade, seu tio,
Lucius Verus, provavelmente a única pessoa que ele de fato amou, inscreveu-o no
Instituto Militar de Kentucky. Foi uma forma de livrá-lo da família, que odiava
com máxima intensidade e com a qual jamais se reconciliou. Foi no Exército que
o adolescente descobriu, e desenvolveu, seu talento de cartunista. A jornalista,
escritora e tradutora Heloísa Seixas, narra da seguinte maneira esse episódio,
na introdução do livro “Visões da noite” (Editora Record, 1999), que ela
traduziu: “... Ao deixar Kentucky, em
vez de voltar para a casa dos pais, foi trabalhar no jornal de uma cidadezinha
de Indiana”. Foi seu primeiro emprego no jornalismo, onde faria carreira e
marcaria seu nome na história dessa atividade profissional.
Todavia, esse não seria o fim de sua atuação como soldado.
Heloísa Seixas nos informa a propósito: “Em 1861, quando tinha 18 anos, Bierce
atendeu ao primeiro chamado do Presidente Abraham Lincoln e alistou-se no Nono
Regimento de Indiana. Logo estouraria a Guerra Civil. Foi quando ele teve a
chance de se transformar num herói — e o fez. Sua passagem pela vida militar
foi algo sensacional. Corajoso, os perigos das batalhas nada significavam para
ele. E, como tomava decisões rápidas, com seriedade e consciência, destacava-se
dos demais soldados, inseguros e indecisos. Durante uma batalha na Virgínia,
salvou um companheiro ferido em meio ao fogo cruzado, o que lhe valeu, apenas
três meses depois de alistar-se como voluntário, a patente de sargento”.
Sua carreira militar foi tão brilhante, que merece um
comentário inteiro a parte, que me proponho a fazer oportunamente. Por
enquanto, fiquemos na questão do decisivo “cara ou coroa”, em que Ambrose
Bierce jogou todo seu futuro em uma reles moeda atirada para o ar, como se
fosse a melhor decisão a tomar. Você agiria assim, paciente leitor? Duvido! Eu
jamais deixaria por conta da sorte ou do azar o que ser e o que fazer pelo
resto da vida. Heloíse Seixas detalha como tudo isso se deu, finda a Guerra da
Secessão, com a vitória da União sobre os secessionistas sulistas:
“Depois de trabalhar durante um ano na reconstrução do Sul,
foi novamente chamado pelo general Hazen que, em tempos de paz, tinha sido
incumbido de explorar e mapear o Oeste e o queria como seu assistente técnico.
Feliz da vida, Bierce aceitou. E, assim,
embrenharam-se pelo Velho Oeste, atravessando o território dos índios Sioux. Na
mesma época, o general Hazen fez uma recomendação formal para que Bierte, até
então apenas um oficial voluntário, fosse aceito como oficial do Exército
Regular americano. Mas, depois de muitas aventuras, quando finalmente chegaram
a São Francisco, no fim de 1866, descobriram que Bierce havia sido aceito no
Exército Regular, só que com a patente reduzida para segundo-tenente. E sem
perspectiva de uma promoção tão cedo. Embora adorasse o trabalho, era uma
situação humilhante. Bierce fez cara ou coroa para decidir se aceitaria ou não.
Jogou a moeda para cima para ver se ficaria com a patente inferior ou se iria
para a vida civil, a fim de exercer a única profissão sobre a qual tinha um
mínimo de conhecimento — o jornalismo. A moeda decidiu jornalismo e Bierce
aceitou o veredicto”.
Na época em que isso se deu, os donos de jornais – primeiro na
Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos - “descobriram” que o público adorava escândalos
de toda a sorte, violência, crimes, denúncias de corrupção e sangue, muito
sangue. A bem da verdade, muitos barões da imprensa, mundo afora, ainda pensam
assim nos dias atuais. É o tipo de jornalismo que abomino e que, felizmente, jamais
exerci em minha carreira de mais de quatro décadas contínuas. Mas... Aquilo era
um prato cheio para Ambrose Bierce, que odiava a humanidade (e a si mesmo, destaque-se).
Seu compromisso era com a morte e não com a vida. Naqueles primórdios da
imprensa, ser jornalista era sumamente perigoso. Pudera! Muitos eram ameaçados,
perseguidos, espancados e não raro mortos por personagens violentos e
inconformados com as notícias e comentários a seu respeito. É verdade que ainda
hoje isso ocorre. Não, todavia, com a virulência de então. Ainda bem! Mas
Bierce venceu na atividade, tornando-se mestre, entre outras coisas, em destilar
veneno e cinismo, fazendo da brutalidade a matéria-prima de suas reportagens e artigos.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Foi dada a largada, e começou bem.
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